Creio que esteja na memória do consumidor a Resolução do CONTRAN n.º 42 de 21 de maio de 1998, que tornava obrigatório o porte do Kit de Primeiros Socorros em veículos automotores. Isto mesmo. Tínhamos a obrigação de pagar na compra de um veículo novo ou adquiri-la no caso de veiculo usado, sob pena de multa. Era uma caixa contendo: dois rolos de ataduras de crepe, um rolo pequeno de esparadrapo, dois pacotes de gases, dois pares de luvas de procedimento e uma tesoura de ponta romba. A Lei foi revogada em 14 de abri de 1999, menos de um ano após sua promulgação. As multas foram canceladas pela Justiça. Mas quem comprou o kit não teve seu dinheiro de volta, empresas lucraram nas costas dos brasileiros e muitos não sabem até hoje o que fizeram com aquele tal kit, sem falar de gastos com ações judiciais por todo o país.

Pois bem, a partir de agosto de 2012 os veículos nacionais e importados deverão vir equipados de fábrica com dispositivos de bloqueio e rastreamento. Isto mesmo, obrigatório. O interessante é que o consumidor irá solicitar seu acionamento se quiser, aliás, se quiser pagar uma mensalidade, ou seja, o CONTRAN quer obrigar que 100% dos veículos tenham um equipamento que a grande maioria dos consumidores não irá utilizá-lo.

O que causa maior indignação é que não se trata de um equipamento de segurança passiva ou ativa, tampouco de um equipamento que irá melhorar a convivência em um dos trânsitos que mais matam e deixam sequelas no mundo. O Observatório Nacional de Segurança Viária – ONSV decidiu entrar fundo neste assunto, que vem se desenrolando desde 2007, pois entende que esta obrigatoriedade irá gerar mais um custo ao consumidor sem a garantia da eficiência e eficácia do modelo que foi definido pelo Governo Federal. Por isso, deve ser alvo de discussão e esclarecimento.

Praticamente 18 meses após a publicação da Lei 121, em 27 de julho de 2007, o CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito) publicou a Resolução 245 em que estabelece a obrigatoriedade de equipamentos antifurto em veículos novos saídos de fábrica, sejam produzidos no País ou no exterior. A medida começaria a valer em 2009, todavia criou uma série de manifestações de entidades de defesa do consumidor, do mercado automotivo, do segurador, das empresas do setor e dos órgãos de fiscalização.

O que diz a Resolução 245

Em 9 de fevereiro de 2006, o Governo Federal publicou a Lei Complementar nº 121, criando o Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão ao Furto e Roubo de Veículos e Cargas. Esta Lei trata da criação da política nacional de combate ao furto e roubo de veículos e cargas, dando as seguintes diretrizes:

• Tratar das ações conjuntas entre a União e os Estados;

• Capacitar os órgãos de fiscalização;

• Alterar a legislação para atender a politica nacional de combate a roubo de veículos e cargas;

• Empreender a modernização e a adequação tecnológica dos equipamentos e procedimentos empregados na prevenção, fiscalização e repressão ao roubo de cargas e veículos.

• Desenvolver campanhas de esclarecimento e orientação aos transportadores e proprietários de veículos e cargas; • Organizar, operar e manter sistema de informações para o conjunto dos órgãos integrantes do Sistema, nos seus diferentes níveis de atuação;

• Promover e implantar o uso, pelos fabricantes, de códigos que identifiquem na nota fiscal o lote e a unidade do produto que está sendo transportado;

• Fornecer informações relativas a roubo e furto de veículos e cargas, com vistas em constituir banco de dados do sistema de informações, pelos órgãos de fiscalização;

• Estabelecer através do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN

– Os dispositivos antifurto obrigatórios nos veículos novos, saídos de fábrica, produzidos no País ou no exterior;

– Os sinais obrigatórios de identificação dos veículos, suas características técnicas e o local exato em que devem ser colocados nos veículos;

– os requisitos técnicos e atributos de segurança obrigatórios nos documentos de propriedade e transferência de propriedade de veículo;

o As alterações necessárias nos veículos ou em sua documentação em virtude do disposto pela Resolução do CONTRAN deverão ser providenciadas no prazo de 24 (vinte e quatro) meses a contar da publicação dessa Resolução.

Como podemos observar há uma série de ações importantes que devem ser tomadas conjuntamente com a questão dos dispositivos antifurto.

Posicionamento do O.N.S.V.

Para colocar luz sobre o tema, oferecendo informações relevantes para embasamento de nossas propostas e ações, o Observatório Nacional de Segurança Viária – ONSV, preparou uma série de pontos que irão contribuir para o entendimento e endereçou perguntas ao CONTRAN / DENATRAN / DPDC, solicitando esclarecimentos antes da implantação da obrigatoriedade.

Gostaríamos que o Governo Federal – por meio das entidades responsáveis por esta Lei/Resolução, DENATRAN, CONTRAN, Ministério das Cidades, Ministério da Justiça e DPDC – informe à sociedade quanto aos pontos ainda não claros, antes da implantação destes equipamentos nos veículos. São eles:

• Privacidade: O proprietário do veículo terá suas informações como trajeto, lugares frequentados, tempo de permanência, monitoradas 24 horas. Como esta sendo tratada a questão da privacidade dos dados para que seja mantida de forma rígida a confidencialidade quanto ao uso das informações?

• Custo ao Consumidor: Qual será o preço médio que será acrescido em cada veículo pela instalação do equipamento? Quanto custará em média o monitoramento para o consumidor? Haverá diferença de preço para carros, motos, caminhões, ônibus etc?

• Contratação do Monitoramento: O consumidor poderá substituir ou cancelar o prestador de serviço de monitoramento a qualquer tempo, sem ônus ou multa?

• Venda do Veículo: No caso da venda do veículo, o proprietário vendedor terá que dar baixa ao rastreamento do veículo? Quais as garantias do comprador sobre a suspensão do monitoramento?

• Vulnerabilidade: A padronização da instalação dos equipamentos de rastreamento provocará uma maior vulnerabilidade dos sistemas já que o local de instalação sempre será o mesmo. Deveria haver uma diversidade quanto à instalação e aos próprios sistemas empregados.

• Necessidade do Monitoramento: Existem algumas regiões do País onde há um baixo índice de roubo e furto, o que não gera uma demanda para instalação/monitoramento/atendimento por este tipo de sistema. Todavia, este custo será repassado para o consumidor independentemente da habilitação ou não do sistema.

• Novas tecnologias: Diante a evolução constante das tecnologias envolvidas, assim como aconteceu na telefonia, com a substituição de CDMA por GSM, agora 3G e 4G. Os equipamentos instalados nos veículos terão upgrade para acompanhar estas mudanças? Haverá uma manutenção para não causar impacto ao consumidor, uma vez que o mesmo pagou o equipamento no veículo e terá que ter a garantia do seu funcionamento? Por exemplo, o rádio, o cassete, o CD e o MP3; apesar do avanço da tecnologia o rádio de um veículo comprado há 10 anos funciona em um radio de um veiculo zero KM. Isto ocorrerá com o equipamento?

• Eficácia e Eficiência do Monitoramento – Há uma série de estudos realizados que relatam a inibição/interrupção do monitoramento por uso de um equipamento denominado jammer (popularmente conhecido como “capetinha”). Esta situação já vem sendo sentida na queda de eficiência dos rastreadores e bloqueadores divulgados amplamente pela mídia. Qual a garantia que será dada ao consumidor que comprou (obrigatoriamente) o equipamento, caso este não cumpra o que promete?

Risco ao Consumidor: Um risco apontado por especialistas em segurança é que com o uso deste tipo de equipamento, o ladrão tende a levar o proprietário junto com o veículo, para impossibilitá-lo de efetuar o acionamento remoto do bloqueio do veículo.

Penalidade: O consumidor é obrigado adquirir o equipamento no veículo, porém não será obrigado a ativá-lo. Do ponto de vista jurídico esta condição é legal? Ou seja, o proprietário pode ser punido por não ter no veículo um dispositivo que não precisará usar?

O O.N.S.V. sugere

Os desmanches estão entre os principais “consumidores” das peças provenientes de veículos roubados. Isto tem sido debatido em vários fóruns na presença de autoridades de todas esferas Legislativo/Executivo/Judiciário. Uma legislação que busque regulamentar esta atividade, como ocorre em diversos países, inclusive na vizinha Argentina, pode inviabilizar esta ação criminosa. Esta deveria ser a prioridade da Lei 121.

José Aurélio Ramalho é diretor-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária – O.N.S.V,e Acadêmico da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP.


José Aurélio Ramalho

Diretor Presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária – O.N.S.V, e Acadêmico da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP.