Passados os primeiros três anos da abertura, como não poderia deixar de ser, imperfeições e necessidades de ajustes surgiram, e a reação, totalmente errada na forma, no conteúdo e na força, foi a edição das Resoluções CNSP nºs 225 e 232.

3.    Resoluções CNSP nº 224 e 225 – um retrocesso

No final do ano de 2010, foram publicadas as Resoluções nºs 224 e 225 do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP. O impacto dessas novas regras, em razão tanto do seu conteúdo, como do seu prazo para entrada em vigor e especialmente da forma como foram elaboradas, não poderia ter sido pior para a imagem do Brasil e do mercado de seguros e resseguros brasileiro.

A abertura do mercado brasileiro de resseguros foi um evento muito importante, tanto para em nível nacional como global.  E a forma como se deu, bem como os seus resultados, foram excepcionais, graças principalmente à capacidade e dedicação da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP – e à sua abertura para o diálogo como os agentes do setor privado.

Nesse contexto, o Brasil aproveitou momento de grande exposição para mostrar ao mercado global de resseguros o amadurecimento de nossa estrutura de supervisão e regulação e mesmo do país como um todo.

Tal fato, juntamente com as perspectivas de crescimento econômico do Brasil, transformou o interesse do mercado internacional em ato e decisão de investimento. Assim, diversos resseguradores registraram-se no Brasil como locais, admitidos e eventuais, gerando empregos e dinamizando o próprio mercado de seguros

Contudo, tudo isso foi severamente prejudicado pelas Resoluções CNSP nº 224 e 225, as quais, respectivamente, (i) vedaram a realização de toda e qualquer operação intragrupo de resseguro ou retrocessão com resseguradores domiciliados no exterior (posteriormente a Resolução CNSP nº 232estabeleceu um limite máximo de 20% para “cada cobertura contratada”) e (ii) eliminaram o sistema de preferência, substituindo-o por uma reserva de mercado.

Sem entrar no mérito de sua legalidade, em face dos termos da Lei Complementar nº 126/2007, tais regras alteraram a estrutura básica da legislação que deu base ao planejamento e à constituição e registro de todos os resseguradores locais, admitidos e eventuais.

Além disso, tais mudanças, que não foram objeto de qualquer discussão com os agentes privados do mercado de seguros e de resseguros, passaram a ter efeito em menos de 4 meses após sua publicação.

Chegou a ser noticiado que se buscava evitar a realização de operações supostamente irregulares ou abusivas, tanto no que se refere às operações intragrupo como à oferta preferencial aos resseguradores locais.

Nesse contexto, se existiam operações que violavam a legislação, os agentes ativos dessas operações poderiam ter sido objeto de fiscalização por parte da SUSEP, que detém, para tanto, todos os instrumentos e poderes.

Por outro lado, embora se compreenda que a atividade de regulação pode estar sujeita a urgências e uma dinâmica de discussão própria, é extremamente preocupante a edição de normas tão estruturais e com impacto praticamente imediato e sem qualquer discussão.

O resultado foi a perplexidade dos agentes privados, a quebra da segurança jurídica e da confiança que se estabelecera ao longo dos anos antecedentes.

Não se pode deixar de dizer que o mercado de resseguros vinha se consolidando também como instrumento de efetivo desenvolvimento do mercado de seguros. Isso com efeitos diretos sobre o valor que o seguro agregava à dinâmica da economia, inclusive quanto ao oferecimento de capacidade, desenvolvimento de novos produtos, aumento de oportunidades de trabalho e qualificação dos profissionais que vinham sendo treinados, repatriados e trazidos para o país.

Tão grave quanto o método utilizado para edição das normas em questão é a pouca clareza dos seus objetivos.

Não se pode sequer imaginar que o objetivo era o benefício ao consumidor final de seguros, seja ele pessoa física ou pessoa jurídica, pequena ou grande. Isso porque o fim da preferência e sua substituição por uma reserva de mercado resultaram em aumento geral de custos para a indispensável colocação de riscos no exterior.

Se, por outro lado, a pretensão era a proteção do mercado local de resseguros, a proibição das operações intragrupo de retrocessão indicou incompreensão, por parte do governo, da atuação dos grupos globais que aqui se instalaram e/ou investiram mais intensamente nos últimos anos. Tais grupos confiaram nas regras anteriores, com base nas quais desenharam seus planos de negócios (previamente apresentados e aprovados pela SUSEP) e projeções de rentabilidade no longo prazo. Não faz sentido imaginar que as operações de retrocessão e resseguro desses grupos eram desconhecidas, abusivas ou de qualquer forma reprováveis, na medida em que foram permitidas justamente como incentivo à instalação e ao investimento deles aqui.

Não é demais lembrar que embora o mercado brasileiro tenha enorme potencial, o peso da economia brasileira e principalmente da atividade de seguros e resseguros dentro do mercado global ainda é pequeno, não se comparando, por exemplo, com o mercado chinês.

Logo, a estabilidade e a confiabilidade das regras é extremamente necessária para a atração do capital e da capacidade internacional, sem o qual perdemos a capacidade de acelerar mais o nosso desenvolvimento.

Obviamente, nada obstante as questões acima colocadas, o mercado de seguros sobreviveu. Contudo, como ocorreu diversas vezes na nossa história, perdemos a oportunidade de aproveitar seu potencial de crescimento, desenvolvimento e agregação de valor às relações econômicas em geral.

4.    Resolução CNSP nº 325 – uma tentativa de passo à frente

A publicação da Resolução CNSP nº 325 em julho de 2015 (que ratificou e ajustou a redação da Resolução CNSP nº 322) pode ser considerada uma tentativa de retorno da SUSEP à busca de racionalidade e segurança nas suas ações.

Os limites para colocações de risco em operações intragrupo serão progressivamente aumentados. Até 31 de dezembro de 2016, o limite de 20% será mantido. Esse limite será aumentado para 30% a partir de 1º de janeiro de 2017, 45% a partir de 1º de janeiro de 2018, 60% a partir de 1º de janeiro de 2019 e 75% a partir de 1º de janeiro de 2020 .

Além disso, a reserva de mercado foi substituída por um sistema dual de (i) uma oferta preferencial de 40% dos contratos para os resseguradores locais e (ii) a redução progressiva da reserva de mercado (40% até 31 de dezembro de 2016, 30% até 31 de dezembro de 2017, 25% até 31 de dezembro de 2018, 20% até 31 de dezembro de 2019, 15% até 31 de dezembro de 2020).

Um elemento positivo claro é o estabelecimento de prazos longos de adaptação (quatro anos), algo comum em mercados mais desenvolvidos e raramente adotado no Brasil.

Pode-se até duvidar da manutenção da norma ao longo de tantos anos e eventualmente enxergar aqui o risco de se tratar de medida cuja eficácia futura não foi a maior preocupação do regulador (mas tão somente a produção de uma “boa notícia”).

De qualquer modo, acreditando que o objetivo da norma é realmente garantir uma transição suave entre o regime existente e as futuras regras, o estabelecimento de prazo tão excepcionalmente longo (para os padrões brasileiros) é, no mínimo, a tentativa de mudar o nosso paradigma.

A redução da restrição às operações intragrupo é também elogiável. Conforme acima exposto, a restrição de 20% para operações entre companhias ligadas foi uma tremenda quebra de expectativa, e a possibilidade de aumento do volume e do valor das operações intragrupo é sem dúvida positiva.

Fica a crítica de que a manutenção da restrição no longo prazo, ainda que em percentual menor, mas incidente sobre cada cobertura, obriga as cedentes à manutenção de esquemas complexos de controle e colocação de risco no exterior. Mais um exemplo do chamado “Custo Brasil”, com o que não deveríamos nos acostumas e conformar. De qualquer forma, trata-se de cenário melhor do que o anterior.

O mesmo se pode dizer da redução da reserva de mercado. Se o regulador entende que a reserva de mercado não é positiva, nada obstante os seus piores efeitos tenham sido mitigados pela edição da Resolução CNSP nº 241 (que regulou situações de falta de capacidade e/ou interesse do mercado local para aceitação de determinados riscos), então o ideal teria sido eliminá-la.

A manutenção da reserva de mercado, em conjunto com a preferência (não podem ser eliminadas ambas, em razão do que dispõe a Lei Complementar nº 126), estabelece, entre tantos, mais um controle a ser mantido pelas cedentes brasileiras. Não é desprezível o custo associado a esses controles, tanto que se refere à sua compreensão como à sua implementação e manutenção.

Vale notar ainda a incerteza quanto à forma de implementar a oferta preferencial, já que todas as regras existentes na primeira fase da abertura do mercado de resseguros, inclusive, por exemplo, condições para a oferta e prazo de resposta dos resseguradores locais, foram revogadas pela Resolução CNSP nº 225 e não foram repristinadas pela Resolução CNSP nº 325. Isso criou o que pode ser considerado, em certos aspectos, um espaço de excessiva indeterminação.

Por fim, a criação de uma Comissão Consultiva no âmbito do CNSP com a finalidade de propor medidas voltadas a corrigir eventuais assimetrias entre a regulação brasileira de resseguros e as melhores práticas globais, independentemente dos resultados que vier a ter na prática, evidencia a intenção do regulador de escutar o mercado e respeitar as suas instituições, particularmente a Federação Nacional de Empresas de Resseguros, constituída como resultado do novo ambiente regulatório trazido pela abertura do mercado de resseguros.

5.    Conclusão

Entre aspectos positivos, negativos e dúvidas, a edição da Resolução CNSP nºs 322 evidenciou a disposição da SUSEP e do Governo de ajustar a legislação, corrigindo erros e avançando na implementação de regras para o mercado de resseguros compatíveis com a prática internacional, em especial promovendo uma maior abertura do mercado local.

Certamente isso não será suficiente para, por si só, recuperar o grau de confiança segurança existente imediatamente antes da edição, no final de 2010, das Resoluções CNSP nº 225 e 232. Entretanto, pelo menos, trata-se de um primeiro passo e do aparente reconhecimento de que aquelas mudanças abruptas na direção do fechamento do mercado mereciam alguma espécie de revisão.


João Marcelo dos Santos 

É Sócio Fundador do Santos Bevilaqua Advogados, ex-Diretor e Superintendente Substituto da SUSEP e Presidente do Conselho de Acadêmicos da Academia Nacional de Seguros e Previdência.


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