Debatedores abordam RC na cadeia de distribuição de produtos, na visão de profissionais das áreas jurídica, de seguros, do e-commerce e do consumidor

 

 

Na última quinta-feira (27), a Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP realizou uma palestra com o tema “Responsabilidade civil na cadeia de distribuição de produtos via marketplace”, em mais uma edição do Café com Seguro. A abertura da live teve a participação do Diretor da instituição, Ac. Adilson Neri e do Presidente, Ac. Rogério Vergara. Foi moderada pelo Ac. Felippe Moreira Paes Barretto, coordenador da Cátedra de Seguros de Danos: RC e contou com as presenças dos debatedores, Sra. Jéssica Sousa, coordenadora de E-commerce e Marketplace da Agência Brabos Solução em Marketplace, Ac. Carlos Josias Menna de Oliveira, Sócio da C. Josias & Ferrer Advogados Associados, Ac. Marcos Yoshida, Fundador e CEO da BYCOR Seguros, e Ac. Mauricio Bandeira, diretor na Lockton Brasil Consultoria e Corretagem de Seguros, que contribuíram com suas visões operacional do sistema, jurídica, consumidor e macro do tema, respectivamente.

O foco do evento foi discutir o exponencial crescimento do comercio eletrônico nos últimos anos, que trouxe consigo um novo cenário, no que diz respeito à venda e a compra de produtos, e a necessidade de contratação de seguros de responsabilidade civil nos chamados “marketplaces”. Aberto a terceiros, o modelo nos quais grandes marcas utilizam seu nome e reputação para distribuir seus produtos, pode parecer um pouco confuso para o consumidor, principalmente em ocasiões em que ele se sentir prejudicado, pois seu processo de compra leva em consideração a confiabilidade da marca. Sendo assim, o debate dessa edição do Café com Seguro gira em torno de sobre quem recai eventual responsabilidade das partes envolvidas – vendedores terceirizados, fabricantes, transportadores e “marketplace“.

O Ac. Felipe Barreto fez uma breve introdução sobre o tema. “Problemas começaram a surgir dentro das grandes atacadistas que se utilizam do marketplace para comercializar seus produtos. A maioria das pessoas já teve a experiência de comprar algo e receber o produto errado, com avarias ou até mesmo não recebê-lo. Surgem então as perguntas: de quem que é responsabilidade? Com quem eu falo? Como isso pode ser traduzido em forma de seguro, em face de toda essa cadeia, já que isso é algo novo para todos?”, questionou.

Jéssica Sousa, da Agência Brabos, trouxe informações sobre a solução que a empresa oferece para atender as necessidades que os seus clientes têm na hora de vender online. A agência realiza todo o processo para que o parceiro inicie as vendas nos marketplaces, de forma integrada e com foco total em vendas. “A companhia se encarrega de toda a parte operacional, para que o cliente foque em produtos e realize as vendas”, afirmou

Em sua apresentação, a executiva também trouxe uma breve definição sobre o conceito de marketplace. Segundo a palestrante, a plataforma é uma rede de vendedores dentro de um mesmo site. Funciona como um shopping center virtual, onde vários lojistas, das mais diferentes categorias e setores, se utilizam de um espaço relevante e muito frequentado para vender seus produtos. Ao invés de pagar pelo aluguel de um espaço físico, o varejista paga uma comissão sobre pedidos aprovados. Assim, o cliente desse canal de vendas consegue encontrar uma grande variedade de produtos e categorias no mesmo lugar. “O consumidor pode comprar produtos de segmentos distintos e de diferentes lojistas, tudo em um único carrinho, em uma loja que ele já conhece e confia, efetuando um só pagamento”, esclareceu.

Jéssica listou, ainda, as vantagens, as desvantagens e as responsabilidades de vender em marketplace. “Hoje, quando você vende dentro do marketplace o responsável total pela entrega é o seller (cliente). O marketplace faz toda a parte de marketing, de vendas, mas a responsabilidade de entrega é do cliente. Já a responsabilidade pela cobrança do produto ou do serviço é totalmente do marketplace. Quanto a garantia dos produtos ou serviços, o seller oferece uma garantia, que é obrigatória por lei, dos 90 dias. Ele também se encarrega pela operação dos produtos e serviços”, explicou. No que diz respeito a resultados, em 2022 o faturamento do e-commerce foi de 262 bilhões, sendo que cerca de 87% vêm do dentro do marketplace.

Nos últimos anos, principalmente no período pandêmico, o marketplace experimentou um crescimento exponencial. Em sua fala, o Ac. Carlos Josias Menna de Oliveira propôs uma reflexão sobre a questão das responsabilidades inerentes a essa cadeia. Na visão do executivo, o público consumidor se assenta sobre o conceito da confiabilidade. As pessoas confiam nas marcas, nos produtos. Elas depositam a sua confiança e fazem as suas compras baseadas nessa confiabilidade. “Mas o que me preocupa é a grande quantidade de marcas que se misturam com empresas confiáveis. É aquilo que vem com advento de toda inovação, os oportunistas, pessoas que se aproveitam da boa-fé dos demais para aplicar pequenos médios e grandes golpes”, disse Oliveira, acrescentando o número de pessoas atingidas ludibriadas, golpeadas com esse tipo de atividade é muito grande. “Também me preocupa o fato de que as consequências dessas práticas acabam atingindo empresas relacionadas ao setor de seguros”, destacou.

O judiciário está sendo inundado de reclamações a esse respeito. De pessoas que compram, que adquirem um produto, pagam com essas facilidades de crédito e acabam não recebendo ou recebendo produtos que não solicitaram ou ainda com avarias. Na opinião de Oliveira, o judiciário tem uma parcela bastante considerável de culpa/responsabilidade, por sua falta de celeridade. A iniciativa de se coibir, para não deixar impune uma atividade golpista, continua sendo muito problemática, ineficiente. “Diante desse cenário, convido a todos a refletir e questionar a responsabilidade das empresas dessa cadeia. Também penso que não custa para o cidadão, que também tem uma certa responsabilidade nesse processo, averiguar a credibilidade do site onde ele está comprando, assim como do produto e da marca que ele está adquirindo. Hoje já existem ferramentas que auxiliam o consumidor a fazer buscas, comparativos e encontrar avaliações sobre as empresas e as marcas”, indicou.

Estamos diante de uma nova realidade, inclusive jurídica, e Ac. Adilson Neri Pereira contribuiu para o debate falando sobre como o segmento de seguros pode se adaptar. Hoje, as seguradoras têm a possibilidade de lançar produtos de seguros com as coberturas que julgarem mais adequadas. Uma empresa chancela uma loja virtual (dá a sua marca), outra vende, outra distribui e um motoboy ou uma transportadora entrega o produto ao consumidor. “Há uma cadeia de responsabilidades, seja pelo produto, pelo seguro de responsabilidade civil de transporte, pelo atraso na entrega, que também gera responsabilidade, em função do pagamento, pelo seguro de crédito, que pode estar envolvido nisso. Eu vejo que os desafios são muitos e o ponto é como o setor de seguros irá reagir a isso”, pontua.

Em relação ao papel do consumidor, Ac. Marcos Yoshida, da Bycor Seguros, destacou que estamos em faça um grande desafio. “Nós ainda vivemos num momento em que temos dificuldade com lojas instaladas (lojas físicas) dentro de grandes shopping centers. Imagina só nesse novo contexto, em que um é responsável pela entrega, pelo produto, pela garantia do produto ou serviço adquirido, e outro é responsável pela monetização, pela cobrança”, conjecturou. O executivo entende que o marketplace cria um vínculo ainda maior e mais revolucionário em relação ao que nós tínhamos até então no nosso comércio cotidiano, onde o mesmo comerciante que entrega o produto é o que faz a cobrança, dá o prazo de garantia e ainda troca o produto, caso o cliente se arrependa da compra. Tudo no mesmo local da aquisição.

Outro ponto que me chama muito atenção de Yoshida é a transmissão das responsabilidades. Quando compra de uma grande marca, o consumidor está efetivamente confiando nela. Mas que proteção é oferecida a ele? Sabe-se que os marketplaces têm efeitos punitivos para vendedores que não atendem aos seus padrões de qualidade. Mas não fica muito claro para a população como acontece a reparação do dano para aquele que já foi lesado, que medidas são tomadas em relações aos consumidores que são prejudicados. “Entendo que estamos frente a novos desafios, porque é o novo modelo de negócios, de larga escala e com potencial para lesar muitas pessoas simultaneamente. São muitas as dúvidas e as soluções a serem desenvolvidas, e eu confesso que ainda não fica claro para mim quais são as responsabilidades de cada um desses players e como podemos fazer para oferecer a devida proteção para a população”, reforçou.

De acordo com o Ac. Maurício Bandeira, o assunto responsabilidade civil sempre gera discussões acaloradas, justamente pelo fato de haver tantos participantes envolvidos na cadeia do marketplace.  Uma característica do seguro de responsabilidade civil é a de possuir diversos tipos de cobertura. E uma das que é pouco divulgada e, consequentemente pouco contratada pelas empresas, é a RC produtos. Esse seguro pode ser contratado por quem fabrica, distribui, dá em comodato, vende, aluga ou transporta o produto.

No caso do marketplace, chama a atenção de Bandeira a discussão sobre a responsabilidade final. É importante que os segurados entendam seus contratos com seus fornecedores ou clientes, qual é a exposição de riscos e como mitigar os riscos. “O comércio eletrônico, o marketplace veio para ficar e isso traz muitos riscos, como, por exemplo, riscos cibernéticos. E todos esses fatores precisam ser discutidos, desenvolvidos. A gente tem muito o que melhorar e o mercado de seguros é um grande alicerce para a melhora desse novo mercado que temos aí pela frente”, concluiu.

Assista a live completa no canal da ANSP

https://www.youtube.com/watch?v=zuW7Vj22eXk