Palestrantes abordam cláusula compromissória arbitral e suas implicações nos contratos de seguros a partir do julgamento do Recurso Especial nº 1.988.894 – SP

Na última quarta-feira (22), a Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP realizou um debate com o tema “Arbitragem e Sub-rogação: Reflexões sobre a cláusula arbitral nos contratos e a sub-rogação da seguradora”, em mais uma edição do Café com Seguro. A abertura do trabalho ficou por conta do Ac. Rogério Vergara, Presidente da ANSP. Já a moderação ficou a cargo do Ac. Pedro Guilherme Gonçalves de Souza, Coordenador da Cátedra de Contrato de Seguros – ANSP.

A contextualização do tema foi feita pela Ac. Márcia Cicarelli Barbosa de Oliveira, que também é vice-coordenadora da Cátedra de Contrato de Seguros da ANSP. O evento ainda teve as participações do Ac. e ex-Presidente da Academia, João Marcelo dos Santos e do  Rafael Bertramello, como debatedores.

A proposta da live foi apresentar aos participantes uma avaliação sobre o recente julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Recurso Especial nº 1.988.894 – SP (2022/0060568-4), sob a relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, no qual a 4ª Turma, reconheceu, por unanimidade, que a cláusula compromissória arbitral prevista em contrato de transporte marítimo de carga alcança a sub-rogação da seguradora.

Durante a programação, Pedro Guilherme Gonçalves de Souza apresentou os debatedores e Márcia Cicarelli contextualizou o assunto, para que o público pudesse compreender as premissas tratadas na temática da arbitragem da sub-rogação. João Marcelo explorou o precedente em específico do Superior Tribunal de Justiça, no recurso especial 1.988.894, assim como outros precedentes que tratam dessa questão da sub-rogação e da arbitragem. Por fim, Rafael Bertramello, trouxe uma pitada de prática, de compreensão efetiva da vida real do assunto.

 

Contextualização:

Na visão de Márcia Cicarelli, quando se fala arbitragem e sub-rogação, o primeiro aspecto a se ter em mente nas discussões que vão seguir é o princípio da autonomia da vontade. Esse é o princípio basilar da arbitragem, o fundamento necessário da arbitragem, já que ela é um poder que é conferido às partes de renunciar ao direito constitucional de ter um conflito decidido pelo Poder Judiciário. Quando se escolhe  a arbitragem, há uma renúncia ao poder judiciário  e a opção por jurisdição arbitral, possível sempre que  houver direito patrimonial em discussão. Ao escolherem essa jurisdição arbitral as partes decidem se a arbitragem será de direito ou por equidade, o direito aplicável, o idioma e o próprio local da arbitragem.

A escolha pela arbitragem se dá pela cláusula arbitral ou pelo compromisso arbitral. Na área de seguro a forma mais usual é a cláusula de arbitragem, deve ser prevista no contrato e é, portanto, anterior a um conflito a uma discussão de interpretação contratual. O compromisso também é um instrumento de convenção das partes de eleição de arbitragem, mas normalmente se dá por um instrumento próprio quando já se tem um conflito instaurado.

O segundo aspecto tratado por Márcia foi o Instituto da sub-rogação, que está intrinsecamente ligado à questão securitária. Isso porque, sempre que a seguradora indeniza o seu segurado, por força de lei ela se sub roga em todos os direitos, ações, privilégios, garantias do seu segurado.  “Então a gente tem uma alteração do credor.  O credor originário era o segurado em relação a um terceiro e a seguradora passa então a assumir essa posição de credora e a ter os mesmos direitos, ações privilégios e garantias que o segurado tinha com relação a um crédito perante um terceiro. E essa discussão toma um corpo especial quando dizemos que essa alteração de polo, de credores, se dá no âmbito de um contrato”, explicou.

Segundo a advogada, o posicionamento do STJ tem variado. Nos tribunais estaduais, teve um precedente, o caso Alstom, no qual houve um grande embate entre os dois principais desembargadores. E eles falam justamente da discussão de que a cláusula de arbitragem tem um caráter personalíssimo. Embora haja divergência entre os ministros, o entendimento que acaba prevalecendo, de maneira não unânime, é de que a cláusula de arbitragem tem efeitos personalíssimos e, por isso, não se transmite de maneira automática. Ela necessita deste ingrediente que é autonomia da vontade. Se não houve uma escolha expressa por parte da seguradora em utilizar arbitragem, ao simples instituto da sub-rogação isso não seria suficiente para que a companhia também estivesse vinculada a arbitragem que foi pactuada entre o seu segurado e o terceiro.

“E agora a gente começa a ter uma discussão sobre se é possível fazer uma distinção entre esse posicionamento geral iniciado do caráter personalíssimo da arbitragem e a situação específica da subscrição pela seguradora. Existe ainda um ingrediente extra, que será tratado na live por João Marcelo e por Rafael Bertramello, que é o projeto de lei nº 29/2017, que está aí sendo discutido no âmbito do senado e pode mudar um pouco o cenário”, sinalizou.

Cláusula compromissória arbitral e suas implicações nos contratos de seguros

João Marcelo iniciou a apresentação explicando que no Brasil a regra legal da sub-rogação é bastante clara. Temos o artigo 349 do Código Civil que fala que ela transfere ao novo credor os direitos e ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação a dívida, contra o devedor principal e aos fiadores. Essa é a regra geral de sub-rogação e tem também a regra da sub-rogação específica do seguro, que funciona conforme o artigo 786 que diz que, paga a indenização o segurador sub-roga-se no limite do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra autor do dano.

“Eu sou um fã dessa regra.  Ela é muito bem escrita, muito simples e efetiva. E ela é complementada de forma também muito simples e efetiva pelo parágrafo segundo, que é muito exato”, ponderou. São regras claras e simples. Pagando a indenização a seguradora se sub-roga e passa a ser a titular de direitos, ações que competem ao segurado, que não foi proibido de realizar qualquer ato que reduza o direito da seguradora, este ato simplesmente será ineficaz. Lembrando que que existe a Dispensa do Direito de Regresso (DDR), que funciona bem e tem que ser pela seguradora. E do outro lado existem as expectativas daquele a qual a seguradora exercerá o seu direito de sub-rogação.

Existe uma controvérsia doutrinária também sobre a questão de ser mais ou menos personalíssima, de depender de mais ou menos formalidades, e essa controvérsia ela se reflete na jurisprudência.  O que se vê na jurisprudência, olhando para a súmula 188 do STF, de 1963, é que o segurador tem ação regressiva contra o causador do dano pelo que efetivamente pagou até o limite previsto no contrato seguro.

Isso pode até fundamentar algumas teses muito caras as seguradoras no campo do ressarcimento, em que elas efetuam indenizações no valor dos danos e quando há alguma limitação legal. Isso acontece muito no seguro de transporte, ou quando há até alguma limitação contratual de responsabilidade. “Isso passa a não ser tão simples porque a seguradora pode pagar algo que um terceiro causador do dano, se acionado diretamente, não teria obrigação de pagar por conta de limitação que tem direito”, analisou.

Em 2008 já se encontra decisões do STJ declarando claramente que a sub-rogação não opera efeitos em relação a cláusula de eleição de foro estabelecida no contrato entre o segurado e transportador. Não opera efeitos com relação ao agente segurador sub-rogado. Já há aí uma separação de efeitos. Avançando para o ano de 2022 já temos uma decisão que deixa claro que a sub-rogação transmite apenas a titularidade do direito material, fazendo uma exceção às ações.  “Então, por esta decisão que é da terceira turma do STJ, a sub-rogação não impactaria nas ações, somente no direito material”.

Mais recentemente, em 2023, a quarta turma do STJ já traz um entendimento diferente. Ela diz que a ciência prévia da seguradora a respeito da cláusula arbitral pactuada no contrato objeto do seguro garantia resulta na sua submissão à jurisdição arbitral, por integrar a unidade do risco, objeto da própria apólice securitária, dado que é elemento objetivo a ser considerado na avaliação de risco. “Ela reconhece que a seguradora se vincula a cláusula mesmo sem ter subscrito a cláusula diretamente. Ela se subscreveu no sentido securitário, no sentido de aceitar o risco”, indicou.

 

Impacto do julgamento do Recurso Especial nº 1.988.894 – SP (2022/0060568-4) na operação securitária

Rafael Bertramello iniciou o seu painel falando em linhas gerais sobre o precedente, o recurso especial que trata de um seguro de transporte. Estabeleceu uma conexão entre ele e o seguro garantia de obrigações contratuais e também comentou brevemente sobre a timeline de regulação de um sinistro do seguro de garantia de obrigações contratuais, fazendo algumas distinções entre a aplicação da arbitragem, pré-sub-rogação e pós sub-rogação. Por fim, comentou ainda o impacto em outros ramos.

Segundo Bertramello, o recurso especial 1.988.894 deriva de um caso de seguro de transporte marítimo internacional de carga entre Brasil e Colômbia, de avaria na carga. A seguradora pagou a indenização, se sub-rogou nos direitos do segurado, ajuizou uma ação judicial para cobrança dos valores que indenizou, os réus alegaram incompetência da justiça estatal porque existia a cláusula compromissória arbitral no conhecimento marítimo e o processo foi extinto sem julgamento de mérito. Ou seja, a seguradora deveria então pleitear o seu ressarcimento no âmbito da arbitragem.

“E o interessante, o primeiro ponto que eu noto nesse precedente é que ele fala de seguro garantia em vários trechos, tanto do voto da relatora, na própria ementa, mas ele fala em algo como seguro garantia. Na minha leitura desse precedente, quando se menciona seguros garantia na verdade se refere a riscos originados de obrigações de natureza contratual, danos que decorram desses riscos de origem de natureza contratual” considerou.

Os seguros garantia mencionados no precedente não podem se confundir com o seguro garantia em particular, embora ele faça referência a esse fenômeno da obrigação contratual subjacente. Na visão do painelista, o recurso especial 1.988.894 traz teses importantes, como, por exemplo, a sub-rogação legal da seguradora do artigo 786, que não importa uma transmissão direta e automática da cláusula compromissória.  A ciência prévia não deve ser confundida com consentimento expresso, com consentimento escrito. Ciência prévia pros fins deste parecer é o consentimento inequívoco, que se desdobra entre conhecimento tácito e conhecimento presumido. Igual interpretação vai agora paro seguro garantia de obrigações contratuais.

“Então, sub-rogação não importa transmissão direta e automática, é necessária a ciência prévia da seguradora, a ciência prévia da seguradora não precisa necessariamente ser por escrito, não é um consentimento expresso, pode ser tácita na visão do precedente ou presumida”, reforçou.

Ainda falando de precedente, o palestrante destacou mais duas teses que ele considera importantes que os expectadores fixassem como base, antes de ele avançar com os com os pontos mais controversos. Se a cláusula compromissória foi celebrada posteriormente a contratação da emissão da apólice a seguradora não estaria obrigada a ela. E eventual nulidade da cláusula compromissória aproveita também a seguradora. Isso quer dizer que se o segurado ele está diante de uma cláusula compromissória nula, ela também o é para a seguradora.

Quanto ao seguro de obrigações contratuais, é importante entender ou diferenciá-lo na sua estrutura triangular de outros ramos de seguro. O segundo ponto dentro da estrutura do seguro garantia é diferenciar modalidades de seguro garantia que não estão afetadas por esse precedente, que são aquelas relacionadas a processos administrativos ou judiciais. “Dificilmente a seguradora poderá agora arguir o desconhecimento ou a falta da ciência prévia da obrigação de arbitrar, porque parte do processo de análise é olhar o contrato. Entretanto pode haver exceções”, argumentou.

Assista a live completa no canal da ANSP