Por que poupamos tão pouco? Essa é uma pergunta realmente difícil de ser respondida. Talvez porque a resposta envolva ingredientes comportamentais que, na maioria das vezes, são desprezados pela economia clássica, ao presumir que somos racionais e que conhecemos todas as informações pertinentes às nossas decisões. Penso que poupamos pouco porque somos humanos e, apesar de inteligentes, nem sempre tomamos as melhores decisões financeiras, mesmo sabendo quais as mais favoráveis. Ou seja, temos os nossos “pontos cegos”, aspectos que nos escapam à consciência, mas que influenciam nossas escolhas. No Brasil, a poupança das famílias representa somente 4,5% do PIB. Como referencial, podemos citar a China e a Índia, onde a poupança das famílias se situa em um patamar entorno de 25% do PIB. O brasileiro poupa pouco, sim. O fator cultural pode nos ajudar a explicar porque alguns povos poupam mais ou menos que outros. Os norte-americanos, por exemplo, são tradicionalmente mais gastadores que os europeus e asiáticos.
Historicamente, migramos de uma sociedade de produção para uma sociedade de consumo. Vivemos numa sociedade do consumo efêmero e excessivo, do ter, do aparentar, da fluidez de valores, das fragmentações, em que se sobressai a falta de políticas públicas e educacionais que estimulem o consumo consciente e previdente. Nossa prioridade acaba sendo o prazer imediato, a satisfação a cada instante. E poupar hoje para desfrutar o amanhã não é algo que nos traga alguma satisfação imediata, indo no contra fluxo da sociedade atual. Privilegiamos o presente, desdenhamos um futuro tão incerto e distante. Somos vulneráveis às tentações do curto prazo. Assim, acabamos não dando conta dos novos desafios que a nossa época nos impõe, dentre os quais estão a sustentabilidade, o meio ambiente, a responsabilidade social, o consumo consciente e o planejamento financeiro.
Podemos apontar outro “vilão” responsável por esse deslize comportamental – poupar pouco. Temos aversão a perdas e evitamos, a qualquer preço, o desconforto resultante. Por exemplo, de maneira geral, é extremamente angustiante resistirmos ao apelo de trocar nosso aparelho de celular (ainda que esteja funcionando bem e adequado às nossas necessidades), quando mais da metade dos nossos amigos já possuem o último modelo super-high-tech. No momento em que surge esse dilema, se instala o conflito: resistir e continuar com o aparelho antigo ou sacar o dinheiro “virtual” (cartão de crédito) e parcelar em 12 prestações o nosso sonho de consumo imediato, mesmo que para isto tenhamos que mexer na poupança da tão sonhada viagem que programamos há 6 meses? Na maior parte das vezes, diante da frustração em adiarmos uma gratificação imediata, “sacrificamos” uma reserva futura em prol do ganho/prazer instantâneo. Assim, a aversão a perdas é responsável pela dificuldade em equacionarmos os dilemas de curto e de longo prazo. É este viés que faz com que, por exemplo, a contribuição mensal destinada a um plano previdenciário possa ser percebida pelo participante como uma espécie de “perda”. Os impulsos de gastar e usufruir no presente acabam medindo forças com o amanhã.
Os aspectos comportamentais são importantes não só nas questões e circunstâncias que envolvem a previdência complementar e o seguro, mas nas decisões econômicas e financeiras de forma geral. Por exemplo: por que algumas pessoas são ricas e outras não? Por que compramos tantas coisas que não precisamos? Por que um remédio caro nos faz sentir melhor do que um barato? Por que algumas pessoas pensam em poupar um pouco hoje para enfrentar o futuro e outras não? Para respondermos a essas perguntas, precisamos entender como fazemos nossas escolhas relacionadas ao dinheiro.
Simon, prêmio Nobel de Economia em 1978, nos trouxe a noção de que nossas decisões são realizadas com base em uma “racionalidade limitada”. A partir dessa ideia surgiram novos campos do conhecimento como a psicologia econômica, a economia comportamental e a neuroeconomia, que buscam explicar o comportamento econômico das pessoas. O ano de 2002 foi um marco para essas novas ciências quando Daniel Kahneman, psicólogo, conquistou o prêmio Nobel de Economia. O trabalho de Kahneman teve como foco a descrição dos erros sistemáticos de raciocínio que todos nós cometemos no processo de tomada de decisão. A partir de pesquisas experimentais, tornou-se evidente que somos menos racionais do que a teoria econômica clássica presumia. Nossos julgamentos e nossas decisões são influenciados diretamente pela maneira como percebemos uma determinada situação. Portanto, gastar, poupar, investir, contrair dívidas, entre outros, são comportamentos realizados por seres pensantes, mas falíveis, que cometem erros de pensamento influenciados por emoções e pelo contexto em que estão inseridos. E, muitas vezes, essa “negligência inocente” acaba cobrando um preço muito elevado no médio e, principalmente, no longo prazo.
Sérgio Rangel Guimarães
Atuário e Mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, especialista em Seguros de Vida pelo SITC – Zurique , coordenador e professor do curso de Ciências Atuariais da UFRGS, consultor sênior da Mirador Atuarial e
Acadêmico da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP.