SUMÁRIO

As normas contábeis emanadas da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS não apresentam em sua integralidade, tomando por base as Demonstrações Financeiras, as obrigações assumidas pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde, na forma totalizada pela conta “Provisão para Prêmios ou Contraprestações Não Ganhas – PPCNG”, afetando, por conseguinte, a aplicação de metodologias aceitas internacionalmente para estimação da “Provisão para Insuficiência de Prêmios/contraprestações – PIC”, calcadas na estimação de fator a se aplicar sobre o saldo da PPCNG. Sugere-se, em termos genéricos, as alterações necessárias, para que os stakeholders, ao se confrontarem com os balanços periódicos deste grupamento de mercado, possam visualizar com maior efetividade as obrigações assumidas pelas operadoras.

INTRODUÇÃO

As operadoras[1] de planos privados de assistência à saúde estão obrigadas a constituir a provisão para insuficiência de prêmios/contraprestações (PIC) sempre que ficar configurada a insuficiência das contraprestações ou dos prêmios para cobertura dos eventos ou sinistros a ocorrerem, como definido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar no inciso VI do artigo 3o da Resolução Normativa no 574, de 28/fev./2023.

Boa parte das metodologias disponíveis apuram, quando observada a insuficiência da receita para pagamento das indenizações e demais despesas, um fator a ser aplicado sobre a provisão de prêmios não ganhos, a qual reflete a receita a ser apropriada contabilmente pela operadora, após uma data base, normalmente associada à data base dos demonstrativos contábeis. Há metodologias alternativas que se baseiam em fluxos de caixa projetados.

O objetivo deste artigo é mostrar que a contabilização determinada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS para a provisão de prêmios/contraprestações não ganhas (PPCNG) comete importante impropriedade, qual seja, a de não demonstrar corretamente as obrigações incorridas pela operadora.

Como elemento adicional, é relevante ponderar sobre o objetivo social das demonstrações financeiras e balanço patrimonial, qual seja o de suprir a sociedade em geral – constituída inclusive por investidores – sobre a saúde econômico-financeira da entidade informante.

Não custa observar que o intuito contido no parágrafo anterior inspirou e continua inspirando organismos internacionais na padronização dos referidos demonstrativos, como forma de coibir comportamentos oportunistas por parte das empresas informantes.

ASPECTOS TÉCNICOS

A colocação de abertura neste tópico se restringe à afirmativa de que, quando as partes celebram algum tipo de acordo ou contrato, são automaticamente criados direitos e obrigações para as mesmas.

Estes direitos e obrigações devem estar refletidos de alguma forma no balanço patrimonial e demais demonstrativos das entidades.

No segmento das sociedades seguradoras, a emissão de uma apólice materializa a contratação da cobertura securitária, sendo um instrumento que sintetiza as condições contratuais, normalmente representadas pelas Condições Gerais.

O prêmio do seguro pode ser pago antecipadamente ao início de vigência das coberturas contratadas, ou na data de início de vigência das coberturas contratas ou através de parcelas, que podem ser mensais, bimestrais, quadrimestrais, semestrais ou até terem seus vencimentos livremente negociados com a companhia de seguros.

Importante destacar que o parcelamento do prêmio do seguro é um ato de liberalidade da seguradora, que assume o risco de crédito, materializado pela inadimplência do devedor, no caso o segurado.

As seguintes situações clássicas podem ocorrer em termos de pagamento do prêmio:

  • Pode ser pago integralmente antes do início de vigência do seguro;
  • Pode ser pago integralmente no início de vigência do seguro;
  • Pode ser pago através de parcelas, geralmente com a primeira parcela vencendo em até 5 dias da data de início de vigência do seguro.

Pelo ângulo da emissão da apólice, esta pode ser emitida:

  • Antes do início de vigência do seguro, que é uma possibilidade muito rara;
  • Na data de início de vigência; ou
  • Após a data de início de vigência, que é a situação mais comum.

No setor de seguros, a provisão de prêmios não ganhos (PPNG) coexiste com a PPNG-RVNE, que é a provisão de prêmios não ganhos para riscos vigentes e não emitidos.

As operadoras de saúde – excluídas as seguradoras especializadas em saúde – não emitem apólices, as quais são substituídas, segundo a prática de mercado, pela celebração de contratos e eventuais aditivos aos mesmos.

A celebração do contrato e seus eventuais aditivos constituem fato que se caracteriza pela obrigação de proporcionar acesso a atendimento assistencial, contra o direito de receber a remuneração por conta da prestação deste serviço.

Os contratos costumam ter vigência mínima de 1 (um) ano, tanto para o mercado de pessoas físicas quanto jurídicas.

Para ilustrar a estipulação contábil determinada pela ANS para o registro da PPCNG, transcreve-se, na sequência, o Exemplo 1, extraído do Anexo IV da Resolução Normativa RN no 528, de 29 de abril de 2022.

====================INÍCIO DA TRANSCRIÇÃO=========================

Exemplo 1: vigência dentro do mês

Por exemplo, se uma operadora comercializa um contrato coletivo com cobertura contratual para o período de 01/01/X1 até 31/12/X1, em 01/01/X1 deve registrar o valor mensal do contrato. Supondo que o valor que será cobrado pela operadora para assumir esse risco é de R$ 1.000,00 por mês, o lançamento contábil a ser efetuado em 01 de janeiro é:

D – 123111012/123121012 – Contraprestação Pecuniária/Prêmios a Receber – Coletivo sem

Administradora de Benefícios como Estipulante

C – 211111012/211121012 – Provisão de Prêmio ou Contraprestação não Ganha – Planos Coletivos

R$ 1.000,00

Obs: O contas a receber é segregado em Plano Individual, Plano Coletivo sem e com Administradora de Benefícios como Estipulante. O registro contábil deve ser efetuado identificando com quem que a operadora efetuou a operação.

Caso o valor mensal for recebido antes do início de vigência da cobertura, por exemplo, em 20/12/X0, o lançamento será:

D – Caixa/Bancos

C – 21321X9011 – Receita Antecipada de Contraprestações/Prêmios

R$ 1.000,00

Para melhor conciliação de seus controles gerenciais, é facultativo à operadora transitar o valor recebido antecipadamente pela conta de Contraprestações a Receber, conforme a seguir:

D – 123111012/1231210112 – Contraprestação Pecuniária/Prêmios a Receber – Coletivo sem

Administradora de Benefícios como Estipulante

C – 21321X9011 – Receita Antecipada de Contraprestações/Prêmios

R$ 1.000,00

D – Caixa/Bancos

C – 123111012/1231210112 – Contraprestação Pecuniária/Prêmios a Receber – Coletivo sem

Administradora de Benefícios como Estipulante

R$ 1.000,00

No início da cobertura a operadora deve transferir esse valor para a Provisão de Prêmio ou Contraprestação não Ganha e a partir desse momento, reconhecer a receita pelo tempo decorrido do contrato.

No dia 01/01/X1, dia em que se inicia a cobertura contratual, o registro contábil deve ser efetuado da seguinte forma:

D – 21321X9011 – Receita Antecipada de Contraprestações/Prêmios

C – 211111012/211121012 – Provisão de Prêmio ou Contraprestação não Ganha – Planos Coletivos

R$ 1.000,00

O regime de competência é mensal, portanto a operadora deve no último dia do mês levantar todas as receitas ganhas e todas as despesas incorridas.

OBS: O termo “ganha” significa que o período de cobertura do risco decorreu, ou seja, a operadora garantiu um período de cobertura dentro do mês contra qualquer evento previsto no contrato que pudesse ocorrer com o beneficiário.

======================FIM DA TRANSCRIÇÃO=========================

Na opinião dos autores, uma PPCNG de R$ 1.000,00 no dia 01/01/X1, não representa adequadamente os direitos e obrigações, aportados pelo contrato celebrado.

Usando os dados do exemplo, vamos admitir duas situações:

  • Na celebração do contrato a operadora emite 12 boletos de R$ 1.000,00, com vencimentos nos meses de janeiro a dezembro do ano X1;
  • Na celebração do contrato fica ajustada a emissão de boletos mês a mês.

No caso da emissão dos 12 boletos, a operadora no dia 01/01/X1 constituirá uma PPCNG de R$ 12.000,00, e os boletos alimentarão uma conta de “Valores a Receber – documentos de cobrança emitidos”.

No segundo caso – boletos serão emitidos mês a mês – a operadora no dia 01/01/X1 constituirá uma PPCNG-RVNE de R$ 12.000,00, e alimentará uma conta de “Valores a Receber – documentos de cobrança a serem emitidos”. Na medida em que os boletos forem sendo emitidos, os valores correspondentes transitarão pelas contas PPCNG/PPCNG-RVNE e pelas contas de valores a receber.

Com isto, as obrigações e direitos estarão sendo devidamente representados nas demonstrações contábeis e financeiras.

Na saúde suplementar não se exige lastro para a PPCNG.

Admita-se que fosse exigido lastro para a referida provisão.

Para a situação de emissão dos boletos, os mesmos seriam admitidos como “direitos creditórios”, atuando como redutores das necessidades de aporte de recursos para constituição da provisão em foco.

Igualmente, os valores na conta de “documentos de cobrança não emitidos” seriam igualmente equiparados a ativos redutores das necessidades de constituição da PPCNG-RVNE.

CONCLUSÃO

Em termos gerais os balanços patrimoniais e demonstrações de resultados das operadoras de planos privados de assistência à saúde – excluindo as seguradoras especializadas em saúde – não estão representando de maneira adequada as obrigações e direitos inclusos na provisão de contraprestações/prêmios não ganhos.

Não sendo possível a reformulação dos critérios de contabilização, é importante que os auditores contábeis independentes apontem estes aspectos nas notas explicativas, sendo sugerido o recálculo desta provisão na forma exposta no tópico anterior.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao colega e amigo, Inácio Pereira Lima, sócio-diretor da Auditbrasil Auditores Independentes, pelas valiosas observações e sugestões, esclarecendo, todavia, que qualquer omissão ou erro presente no texto é de inteira responsabilidade dos autores.

[1] O vocábulo “operadora” e seu plural englobam as seguradoras especializadas em saúde, exceto quando formalmente excluídas pelo texto.

 

*Magali Zeller

Atuária e Auditora, certificada pelo Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) em Seguros, Saúde, Previdência, Capitalização e Resseguros, inclusive Avaliação do Passivo Atuarial de Benefícios Pós-Emprego (CPC 33 /IAS 19/IFRS/USGAAP). Contadora, especialista em Estatística e MBA em Gestão de Saúde. Sócia na AT Service Engenharia e Consultoria Atuarial. Coordenadora da Cátedra Ciências Atuariais da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP) e Colaboradora do IPCOM – Instituto Previdência Complementar e Saúde.

*Antonio Westenberger
Bacharel em Ciências Estatísticas. Professor de Estatística-atuarial. Atua como Consultor Independente. Sócio Diretor da Ícone Consultoria Soluções em Ciências Atuariais. Acadêmico, Coordenador da Cátedra de Saúde e Membro da Cátedra de Ciências Atuariais da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).

*Sandra Odeli
Atuária e Gerente Atuarial.na CTS Consultoria Técnica Atuarial e Serviços. Acadêmica e vice-coordenadora da Cátedra de Ciências Atuariais da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).

 

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