Alguns segurados estão comprando gato e algumas seguradoras (e corretores) estão vendendo lebre… e isso não é bom. Cuidar bem do nosso mercado é uma obrigação de todos que dele vivem, sejam seguradoras, resseguradores, corretores, segurados, entidades de classe ou mesmo prestadores de serviços.

A atual norma do seguro (Circular SUSEP-232/2003 – que, diga-se de passagem, está sendo revista) define a cobertura da modalidade de adiantamento de pagamento assim:“Este contrato de seguro garante a indenização, até o valor da garantia fixado na apólice, pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento das obrigações assumidas pelo tomador em relação exclusiva aos adiantamentos de pagamentos, concedidos pelo segurado, que não tenham sido liquidados na forma prevista no contrato principal e devidamente expresso no objeto desta apólice, independentemente da conclusão deste. (grifos nossos).

Particularmente entendo que essa redação não poderia ser diferente por um motivo muito simples: o contrato de seguro garantia, ou seja, a apólice, é acessório em relação ao contrato principal, isto é, aquele assinado entre o segurado e o tomador e objeto do seguro. O contrato acessório inexiste se extinto o principal. Em decorrência, o contrato acessório não tem força para mudar o contrato principal.

Excetuadas aquelas para segurados públicos (sujeitas à lei), as garantias prestadas sob a forma de seguro podem ser restritas ao não atender a todas as exigências do contrato principal, mas não podem nunca alterá-lo.

Fica a critério do segurado aceitar ou não, ou compor com seu fornecedor uma alternativa ou complementação à garantia. Vejamos exemplos em que o contrato principal exige:

i) valor da garantia em R$ 1 milhão e o tomador entrega R$ 600 mil.

ii) prazo da garantia em 365 dias e o tomador entrega uma apólice com 290 dias.

iii) garantia para execução de obras civis e fornecimento de equipamentos e o tomador entrega uma apólice garantindo apenas as obras civis.

Do ponto de vista jurídico, isso é perfeito. Imperfeito é o contrato principal dizer que o adiantamento será liquidado na forma ABC e a seguradora emitir uma apólice dizendo que será na forma XYZ. Ou ainda, para ficar mais confuso, a apólice dizer que a liquidação será feita na forma prevista no contrato principal (ABC) e na forma XYZ.

Na revisão da circular, a SUSEP incorporou o conceito de “bom uso do adiantamento”, ou seja, se o tomador comprovar que utilizou o dinheiro na execução do objeto do contrato, independentemente da entrega desse objeto, não há que o segurado falar em sinistro. Mas o texto sugere a confusão a que nos referimos acima:

“Este contrato de seguro garante a indenização, até o valor da garantia fixado na apólice, pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento das obrigações assumidas pelo tomador em relação exclusiva aos adiantamentos de pagamentos, concedidos pelo segurado, que não tenham sido liquidados na forma prevista no contrato principal e devidamente expresso no objeto desta apólice, independentemente da conclusão deste. (grifos nossos).

A expressão “independentemente da conclusão deste” baterá de frente com o contrato que prevê a liquidação do adiantamento com a conclusão e/ou entrega do objeto. Ora, se a ideia é termos um produto com uma cobertura “básica” (bom uso do adiantamento), a redação precisaria ser mais clara. Uma sugestão seria:

“Este contrato de seguro garante a indenização, até o valor da garantia fixado na apólice, pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento das obrigações assumidas pelo tomador em relação exclusiva aos adiantamentos de pagamentos, concedidos pelo segurado, que não tenham sido, integral ou parcialmente destinados e aplicados no projeto, na aquisição de insumos, na construção e/ou na fabricação e montagem do objeto do contrato principal. (grifo nosso).

Acredito que, mantida a redação sugerida pela SUSEP, esse produto não deve atender a uma boa parte dos grandes contratantes (os segurados). Para o bem de todos, espero que o mercado crie outras modalidades de garantia para adiantamentos de pagamentos que contemplem a cobertura esperada pelos segurados e prevista nos contratos.

Os corretores terão um papel fundamental nesse processo ao levar às seguradoras as reais demandas dos segurados. Mais do que nunca, especialmente do lado das seguradoras, precisaremos do bom e velho técnico, ou subscritor.

Mas, infelizmente, nesse item me parece que estamos sofrendo de escassez de subscritores, tanto em quantidade, quanto em qualidade. Eu explico: para cada forma de liquidação de adiantamentos de pagamento, há um nível de risco associado. Quanto mais simples a liquidação, menor o risco. E – afirmação óbvia – para cada nível de risco, um nível de preço ou até a recusa do risco.

Vejamos algumas formas de liquidação de adiantamentos de pagamento, tomando por base um contrato com as seguintes características:
*   objeto: fornecimento de estruturas metálicas
*   valor: R$ 1.200.000,00
*   prazo: 12 meses.
*   adiantamento: 10% = R$ 120.000,00
*   entregas físicas: 4 entregas mensais nos últimos 4 meses do contrato (meses 9, 10, 11 e 12), em valores iguais de R$ 300.000,00.

Algumas possíveis formas de liquidação (do menor para o maior risco, na visão da seguradora):

1) Céu de brigadeiro: basta o tomador comprovar para o segurado que comprou matéria-prima (aço, parafusos, etc), independentemente da fabricação e entrega. Ou seja, o tomador envia a nota fiscal de compra da matéria-prima para o segurado e o adiantamento estará liquidado. Ou, para os segurados mais exigentes, é feita uma inspeção no endereço do fornecedor (tomador) para se certificar que realmente o aço e os parafusos foram comprados. Uma apólice dessas certamente teria sua vigência muito menor (1 ou 2 meses) que a do contrato (12 meses). E prêmio proporcional a isso. Mas, enfim, é o sonho de qualquer seguradora e é a cobertura que, se aprovada na íntegra, a SUSEP está sugerindo para o mercado.

2) Céu nublado: quando o valor das entregas atingir o valor do adiantamento, ele é liquidado. Nesse exemplo, a primeira entrega (mês 9) liquidaria o adiantamento.

3) Céu com trovoadas: o segurado desconta 10% de cada fatura de entrega do fornecedor, porque adiantou 10% no início do contrato (R$ 30 mil em cada fatura). Quando a soma desses descontos for igual ao valor do adiantamento, ele é liquidado. Nessa hipótese, precisariam ocorrer as 4 entregas de R$ 30 mil para que o adiantamento fosse liquidado: R$ 30 mil x 4 entregas = R$ 120 mil – igual ao valor do adiantamento. Nesse caso, a vigência do seguro seria até o mês 12. E, ao longo das entregas, o valor da garantia poderia ser reduzido.

4) Cadê o céu?: o adiantamento só é liquidado com a entrega total (4ª entrega, mês 12), não sendo permitida qualquer redução do valor da garantia até que isso ocorra.

A subscrição precisa entender exatamente a forma de liquidação e o nível de risco associado e, a partir disso, aceitar o risco, aceitar com agravo de taxa ou recusá-lo. Quando o contrato não deixar clara a forma de liquidação, o conservadorismo característico da atividade seguradora recomenda pressupor o maior risco. O que não cabe é vender um seguro que não atenda ao segurado. Se isso ocorrer, a falha é, principalmente, do corretor e da seguradora. Pelo bem de nosso mercado, devemos acabar com essa prática, especialmente enquanto ainda é incipiente.

Edmur de Almeida é sócio-diretor da ALFA REAL Consultoria e Corretagem de Seguros, atua como Diretor de Relacionamento com o segmento de Seguros Gerais e Coordenador da Cátedra de Seguro de danos: Riscos Financeiros da ANSP.


Edmur de Almeida

É sócio-diretor da ALFA REAL Consultoria e Corretagem de Seguros, atua como Diretor de Relacionamento com o segmento de Seguros Gerais e Coordenador da Cátedra de Seguro de danos: Riscos Financeiros da ANSP.


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