Palestrantes discutem temas como publicidade médica, o papel do direito na estratégia organizacional e os desafios da clínica médica na atualidade, além de um estudo de caso    

Na última terça-feira (10), a Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP realizou uma palestra com o tema “Gestão de riscos para os profissionais e estabelecimentos da saúde”, em mais uma edição do Café com Seguro. Abertura ficou por conta do Ac. Ronald Kaufmann, diretor da ANSP. Já a moderação ficou a cargo do Ac. Felippe Moreira Paes Barretto, sócio-fundador da ZNT Consultoria e Paes Barretto & Lanzellotti Advogados e membro da Cátedra de Seguro de Responsabilidade Civil da ANSP.

O evento teve a participação da Dra. Carolina Mynssen, presidente da Comissão Nacional de Direito Médico da Associação Brasileira de Advogados, de Dr. Eduardo Dantas, Sócio Fundador do escritório Eduardo Dantas (Direito da Saúde), do Dr. Henrique M. L. Bottura, CEO e Diretor Clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista, e da Ac. Karina Lanzellotti Saleme, sócia da ZNT Consultoria e Paes Barretto & Lanzellotti Advogados. E a coordenação ficou a cargo de Ac. Edmur de Almeida, Vice-Presidente da ANSP e Ac. Carlos Josias Menna de Oliveira, Coordenador da Cátedra de Seguro de Danos: Responsabilidade Civil.

A live teve como objetivo apreciar e discutir os aspectos jurídicos no gerenciamento da atividade dos profissionais da saúde, abordando as complexidades da relação legal e administrativa com base na vivência médica e jurídica. “Trazer esse assunto para a academia, que é berço da disseminação do conhecimento, e ter um grupo de profissionais especialista como esse, sem dúvida agrega valor ao mercado que estamos inseridos, que é o da proteção financeira”, diz Barretto.

Segundo o executivo, alguns segmentos, como por exemplo o de transporte, já apresenta planos de gerenciamento de risco. Não é possível fazer um seguro de roubo de carga se o contratante não tiver um plano de gestão de risco, porque sabe-se o que ocorre em nossas estradas. Se por um lado as empresas precisam do seguro, por outro lado elas também precisam contribuir para minimizar estes riscos. “Não diferentemente e em seus primeiros passos, já existe, tanto por parte dos profissionais quanto por parte dos estabelecimentos, um trabalho profícuo para minimizar os riscos dos danos aos pacientes e, consequentemente para que não venha a gerar uma responsabilidade civil”, revelou.

Durante a live, os internautas tiveram a oportunidade de conhecer um case de um sinistro recente que, com o auxílio do gerenciamento de risco, poderia ter sido evitado, ou ao menos minimizado. Também puderam analisar o poder que a publicidade tem de construir ou destruir a reputação dos profissionais. Verificaram, ainda, os aspectos jurídicos da estratégia organizacional e sua importância diante da minimização dos riscos.

 

Estudo de caso

Karina Lanzellotti Saleme, deu início aos painéis compartilhando um estudo de caso estarrecedor e tocante, ocorrido em uma cidade do interior de São Paulo, no qual o sinistro poderia ter sido facilmente evitado, por meio do compartilhamento de informações com o paciente referentes aos riscos de uma determinada cirurgia, o preenchimento correto do prontuário e orientações pós-cirurgia. “Situações como essa, infelizmente acontecem com muita frequência, muitas vezes, devido a uma falha na gestão ou um descuido”, relatou a palestrante, acrescentando que a oitiva das testemunhas foi muito forte e a sentença, por conseguinte, foi bem gravosa. O casal em questão foi indenizado em 370 mil por danos materiais, e em 80 mil por danos morais, e ainda por dano existencial. No total foram quase 500 mil reais. Algo que na visão da painelista poderia ter sido facilmente evitado com uma comunicação mais eficaz, transparente e com um prontuário detalhado e atualizado.

 

A Publicidade Médica como um Instrumento de Gestão

Para Dra. Carolina Mynssen, um grande erro muito comum entre os médicos é acreditar que para abrir um consultório ou entrar para uma sociedade, basta assinar um contrato, alugar/comprar um imóvel e seguir em frente. “Na verdade, boa parte dos casos, como o que foi citado aqui, são evitáveis. Podem ao menos ter seus efeitos colaterais controlados com uma boa gestão de risco. Apesar da grande judicialização contra a medicina, a maior parte das causas contra profissionais e estabelecimentos médicos, são aventuras jurídicas”, assegurou.

Na visão da advogada, se o profissional da saúde estiver bem orientado e tiver uma boa gestão, vai passar. Vai ser um problema, ele responderá a um processo, mas será resolvido. A boa notícia é que com a publicação da resolução 2336, em 13 de setembro, trouxe uma esperança, uma visão da possibilidade do profissional e dos estabelecimentos médicos começarem a ter chance de equiparação, e até mesmo na demonstração da sua autoridade. “Porque fato é que com todas as restrições do Conselho de medicina a profissão e todos aqueles que são alcançados por suas regras e normativas sempre ficaram muito engessados”, indicou. Em sua apresentação, Carolina objetivou abrir os olhos dos profissionais, independente de suas especialidades, para a importância do gerenciamento de riscos, a fim de evitar problemas jurídicos, tendo em vista que atualmente a relação médico paciente é consumerista e está sobre a hedge do Código de Defesa do Consumidor.

O papel do Direito na Estratégia Organizacional

Em sua exposição, Dr. Eduardo Dantas afirmou estarmos vivendo um momento de judicialização exacerbada, o que afeta a todos, sejam os profissionais da saúde, os advogados ou os tomadores do risco. E tudo passa por informação. Diante disso, o palestrante entende que há uma responsabilidade a ser compartilhada entre os profissionais das áreas do seguro, do direito e da saúde.

Em relação a obrigação de resultados nos procedimentos médicos, Dantas contou que escreveu um capítulo sobre o assunto em seu livro “Direito Médico”, onde tratou de uma decisão paradigmática do STJ, que vem servindo de base para as demais, e que vem sendo copiada em todas as decisões, independentemente de quem seja o ministro do tribunal. “Deixou-se de pensar no tema, de analisar caso a caso. E se tem uma coisa que os quase 25 anos de atuação em processos que envolvem a defesa de profissionais de saúde me ensinaram é que nenhum processo, por mais parecido que seja, nenhum caso, é idêntico ao outro. Não podemos ter decisões copiadas e coladas, sem uma reflexão sem uma análise das provas”, enfatizou.

O executivo defende que para fazer a diferença, os advogados precisam atuar no início, na transmissão da informação, no gerenciamento do risco jurídico que envolve a profissão.  Para ele, o papel do advogado na prevenção de demandas médicas hoje em dia é essencial.

No que tange a negligência ou dano informacional, que foi citado no estudo de caso trazido por Karina, o advogado destaca que existe uma obrigação por parte do profissional de transmitir  informações sobre benefícios, riscos, alternativas e sobre a segurança de um determinado procedimento e a possibilidade de intercorrências, para a obtenção do consentimento informado, para que o paciente exerça sua autonomia e para que ele cumpra o dever legal de informar, dentre outras coisas. “A relação do profissional de saúde com o seu paciente mudou. Esta nova resolução que a Dra. Carolina mencionou sobre publicidade traz termos muito interessantes ao falar da “clientela” ao invés de falar de pacientes. Nota-se que o próprio Conselho Federal de Medicina entende que a relação entre médico e paciente é de consumo e que ela tem não só deveres deontológicos, mas também jurídicos muito presentes nessa relação”, refletiu.

Isso faz com que haja a necessidade de se trabalhar a segurança jurídica do profissional de saúde desde o início. E um ponto fundamental para esta segurança é a existência de um seguro, aliada a participação constante e direta de uma especialista para atuar na gestão jurídica do risco, seja de uma clínica, de um hospital ou de uma entidade de tamanho mediano. “Os detalhes, a parte chata e burocrática do dia a dia, fogem do radar do profissional da medicina e se faz necessária a participação de alguém que possa oferecer como diferencial a especialização no estudo do direito voltado para as profissões de saúde”, advertiu.

Desafios da Clínica Médica Diante do Atual Perfil dos Pacientes

Fechando os trabalhos, Dr. Henrique M. L. Bottura discorreu sobre os desafios que tem vivenciando na prática médica nos tempos atuais. Já no período pré-pandemia o Dr. identificava  essa mudança  na relação entre o médico e o paciente. Historicamente o médico era conhecido e respeitado como sendo o detentor do conhecimento e é procurado por alguém que tem uma demanda, uma solicitação, por um paciente que necessita de um diagnóstico, de intervenção e/ou orientações. Agora, a relação é de clientelismo. O médico passa a ser um prestador de serviço e ao invés de um paciente ele tem um tomador do serviço. “Essa é uma mudança que já vem acontecendo ao longo dos anos. Existe uma evolução do modelo de relação, que mais recentemente se inseriu numa revolução tecnológica. Hoje o paciente tem o WhatsApp do médico, chama ele no fim de semana via redes sociais. Todas essas tecnologias estão inseridas nesse processo de mudança do modelo de relação”, salientou.

De acordo com Bottura, esse processo já havia se iniciado mesmo antes da pandemia. Evidentemente que essa transformação vem com bônus e ônus para ambos os lados, tanto para o médico quanto para o paciente. Exige do profissional uma capacidade de adaptação às novas exigências dos pacientes e também expõe o profissional a uma série de riscos que antes não existiam. “Normalmente o médico não tem muito tempo para cuidar de todas as arestas, de ficar avaliando as vulnerabilidades. Entretanto, a medida em que ocorre uma transformação, mudam-se as necessidades de adaptações, de conhecimento. Ampliamos a nossa superfície de contato de risco. Então, se por um lado os médicos melhoraram a exposição e a precificação de seus serviços, por outro lado existe uma exigência maior em relação ao seu desempenho, por parte dos novos pacientes”, concluiu.

 

Assista a live completa no canal da ANSP