A polêmica sobre esse projeto de lei me faz lembrar a história daquela jovem que ia para uma festa, quando sua mãe a interpelou: mas minha filha, você vai à festa com essa minissaia tão curta? Bem, a jovem mesmo assim saiu. Chegando ao destino atraiu a atenção de determinado rapaz, que pensou: lindas pernas, pena que a minissaia seja tão cumprida.
Esse Projeto de Lei está tal qual a minissaia dessa garota. Atende aos interesses do rapaz e contraria aos da diligente mãe. Esse projeto foi feito sob medida para atender com absoluta parcialidade aos interesses do consumidor e seus advogados. Está totalmente destituído dos princípios de equidade e isonomia.
O projeto é absurdamente burocrático, em primeiro lugar. Seu artigo 58 exige a emissão e entrega ao contratante, em 20 dias, de documento comprobatório do contrato, com mais de 20 informações. Dentre elas, o nome do segurado. Já ouvi os interessados no projeto afirmarem que esse documento é a apólice. Imagine-se uma apólice coletiva com cerca de 10.000 vidas. Terá, então, de mencionar o nome dos 10.000 segurados. Num grupo tão extenso, as exclusões e novas inclusões ocorrem todos os meses. Vamos todos os meses alterar essa apólice.
E a burocracia prossegue: O artigo 22, exige, para caracterizar a mora do segurado, uma notificação por carta registrada, ou outro meio idôneo comprovável, concedendo no mínimo 15 dias para purgação (15 dias para pagar). Só depois desse prazo é que ocorrerá a suspensão da cobertura.
Ora, considerando que o segurado já teve 30 dias para pagar, se a seguradora levar 15 dias para expedir a notificação, o correio mais 10 para entregá-la, e mais 15 dias para a purgação, o segurado terá 70 dias para o pagamento, sem a previsão de qualquer multa (destaque para essa ausência de penalidade).
Não se argumente que as decisões dos Tribunais já exijam notificações. Primeiro porque muitas decisões não as exigem e quando o fazem contrariam o princípio da legalidade, posto que o prêmio de seguro é uma dívida positiva e líquida e como tal o simples inadimplemento já constitui o segurado em mora, conforme o artigo 397, do Código Civil, o qual diz: “o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”. No mesmo sentido, o artigo 12 e seu parágrafo único do Decreto Lei 73/66.
Fiel a tais disposições o artigo 763 do Código Civil preceitua que não terá direito à garantia, o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio. Afinal, todos nós sabemos as contas que temos de pagar, tais como, condomínio, escola dos filhos, plano de saúde, salário do jardineiro, etc, portanto, desnecessária uma notificação que o Projeto de Lei quer tornar obrigatória.
No sentido contrário, quando a obrigação for dela, seguradora, terá 30 dias para liquidar determinados sinistros (parágrafo 3º, artigo 92), sendo que descumprido esse prazo, sem que se imponha qualquer notificação, ou tempo para purgação, ela estará sujeita à multa de 5%, mais correção monetária, mais juros legais, além de responder pelos danos decorrentes da mora. Como se vê, é notória a diferença de tratamento para a mora do segurado no pagamento do prêmio e da seguradora.
Por outro lado, no que se refere aos prazos prescricionais, o atual artigo 203 do Código Civil confere ao segurado e ao segurador prazos iguais: um ano.
No entanto, prosseguindo na falta de isonomia, o Projeto de Lei concede ao segurado/beneficiário um tratamento mais vantajoso, conferindo-lhe dois anos e ao segurador apenas um ano.
E vai além o Projeto de Lei ao conferir ao segurado nova suspensão do prazo prescricional, se este formular um pedido de reconsideração da recusa da indenização. Atualmente o entendimento do STJ é que tal pedido de reconsideração não suspende o prazo prescricional.
Ainda mais discricionário e arbitrário, é o artigo 23, do Projeto de Lei, pois, mesmo que o segurado já esteja constituído em mora (ou seja, foi notificado por não pagar o prêmio, já decorreu o prazo de 15 dias para purgar a mora, portanto, inclusive suspensa a cobertura) ainda assim, o segurador terá a obrigação de responder pela indenização, nos casos de responsabilidade civil, quando o dano for a morte, a invalidez, ou a necessidade de tratamento médico hospitalar. Portanto, mesmo sem receber o prêmio, a seguradora terá de pagar a indenização e depois buscar o regresso junto ao segurado, o qual, certamente, está inadimplente por falta de dinheiro, ou seja, o regresso da seguradora não será bem sucedido.
Por essas e outras razões, o seguro se tornará mais caro, iniciando um progressivo processo de elitização e isto justamente agora, quando se afirma que as classes sociais menos favorecidas ascendem, podem tornar-se consumidoras do seguro e ter seu patrimônio protegido.
Paro por aqui, por falta de espaço, sem esgotar todo o tema, mas oportunamente retornarei com outras considerações.
Homero Stabeline Minhoto
É Vice Presidente Jurídico da ANSP, Advogado especializado em Seguros e articulista em revistas especializadas.
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