A Lei 8.078, de 1990, completou vinte anos de vigência em março de 2011 e, certamente temos mais motivos para comemorar do que para lamentar. O Código de Defesa do Consumidor, como a lei é comumente chamada, provocou mudanças estruturais na relação entre fornecedores e consumidores, mudanças que paulatinamente garantiram maior quantidade de informações, maior transparência nas transações, maior equilíbrio nos contratos e, principalmente, uma postura mais cuidadosa dos fornecedores em relação à proteção de seus consumidores.
Todos nós somos consumidores e ocupando essa posição, temos que comemorar que o Código tenha contribuído para a melhora das relações entre consumidores e fornecedores, do mesmo modo como temos que continuar exigindo que a lei seja cumprida em todas as relações de consumo em que um consumidor, hipossuficiente e vulnerável, esteja presente.
É preciso ponderar, no entanto, que as relações de consumo são dinâmicas, peculiares, guardam especificidades que são próprias de cada produto, de cada serviço prestado, de cada contrato e, por essa razão, a aplicação do direito ao caso concreto impõe um trabalho hermenêutico, interpretativo, sempre rigoroso e que demonstre, especialmente, profundo conhecimento do caso concreto que está sendo decidido.
Em outras palavras, a aplicação da lei de consumo não pode ser feita de forma automática, em caráter de pura subsunção, desprezando as características do caso concreto, do contrato específico, do produto peculiar que está sendo oferecido no mercado.
Um exemplo disso é a condenação solidária da seguradora com a concessionária pela demora na entrega do veículo sinistrado. Como responsabilizar a seguradora pela demora por vezes extensa, de mais de 30 dias, se a concessionária responsável pelos reparos não possui as peças necessárias para efetuar esses reparos?
Nunca é demais relembrar que o segurado foi quem escolheu o modelo de veículo adquirido e, nessa medida, não pode creditar a outrem a responsabilidade de sua escolha. Quando ocorre o acidente e o veículo é encaminhado para uma oficina, se esta não dispõe de peças porque a fábrica está em dificuldades para fornecer em vista do grande número de veículos vendidos, não cabe responsabilizar a seguradora apenas pelo fato de ela haver referenciado a oficina. Afinal, o problema de fornecimento nunca é de uma única concessionária, atinge a todas de forma indiscriminada.
Assim, em que pese o grande avanço que o Código de Defesa do Consumidor significou nos últimos vinte anos, é preciso lembrar que existem normas de mercado que não podem ser ignoradas, como a oferta e a procura. E para essas não cabe responsabilizar ninguém salvo aquele que realizou a escolha do produto.
Angélica Luciá Carlini
Advogada e Sócia de Carlini Advogados Associados