Já tivemos a oportunidade de comentar sobre o definitivo reconhecimento das atividades securitárias no mundo digital, tanto pela obviedade da utilização das ferramentas tecnológicas no setor, como pela dificuldade de seu reconhecimento no mundo formal com a edição das normas expedidas pelos agentes competentes do Sistema Nacional de Seguros Privados. De fato, seja pelo regramento original, bem como pela sua posterior alteração, resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP conseguiu reconhecer, implementar e abraçar o emprego dos meios remotos no âmbito das relações decorrentes dos negócios e contratos de seguro.

   Se, de um lado a década passada conseguiu dar este passo, de outro é sabido que o tempo é um fator que avança num ritmo muito mais rápido do que qualquer previsão normativa, ainda que não sujeita aos rigores procedimentais da elaboração de uma lei pelas casas legislativas. Ficou evidente que a Resolução CNSP nº 359, de 2017, já não atendia mais, quiçá a previsão original e termos da Resolução CNSP nº 294, de 6 de junho de 2013. O presente saúda a chegada Resolução CNSP nº 408, de 30 de junho de 2021, já o tempo em que ela continuará adequada ao mundo e realidade da tecnologia o futuro dirá.

   Mas, o momento é de observar as modificações e o tratamento atual, atentando que nem todas as retiradas significam qualquer ideia de afrouxamento ou recuo do conteúdo. Neste particular, não há nenhum receio com a retirada da previsão do dispositivo que antigamente prévia que a confirmação de quitação do primeiro pagamento enviada pela sociedade/EAPC com a utilização de meios remotos servirá, também, como prova da efetiva contratação ou renovação do plano. Isto porque a anterior previsão era praticamente uma redundância, inexistindo até mesmo a necessidade de manutenção do dispositivo pois já há previsão no Código Civil no art. 758 que explicitamente afirma que a possibilidade de que o contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.

   Se tal desaparecimento não implica em qualquer prejuízo ou cuidado, de outra visada não se pode deixar de acurar sobre o apagamento da lista de procedimentos que constava na antiga normatização. Se antes era previsto que aviso de sinistro, solicitação de resgate, concessão de benefício, portabilidade, alteração de beneficiário poderia se dar com o emprego dos meios remotos, a nova regulamentação afirma que poderão ser efetivados com o uso de meios remotos, a critério das sociedades, outros procedimentos e solicitações relativos ao contratado. Claramente deve ser reconhecido que a mudança em face da Resolução original dá-se no sentido de a norma não trazer uma lista exaustiva de procedimentos.

   Quer nos parecer que o novo modelo traz evidentes vantagens operacionais para que cada agente de mercado possa identificar melhor os momentos e instrumentos que devam adotar tais formas. Entretanto, tal flexibilidade exige, por outro lado, os cuidados reforçados dos agentes de mercado quando houver a decisão de emprego dos meios remotos na contratação, por exemplo, na medida em que lógica é que o cancelamento possa ser tão simples quanto foi a contratação.

   Fica, portanto, expressamente determinado que, quando a contratação for realizada por meios remotos, a sociedade deverá garantir que as solicitações e procedimentos necessários ao encerramento da relação contratual sejam efetuados, no mínimo, pelo mesmo meio da contratação. Na verdade, a atual regra pretende encerrar o velho desequilíbrio entre as forças de cada um destes momentos e até mesmo para terminar com as potenciais dificuldades encontradas pelo consumidor para resgatar seus valores, optar pela não renovação etc.

   Além deste cuidado a ser identificado em cada um dos casos a ser empregado pelos envolvidos, também será necessária a atenção de todos quanto ao desaparecimento na normatização da antiga previsão de que a contratação por meios remotos, o proponente/contratante poderia desistir do contrato no prazo de 7 (sete) dias corridos a contar da data da formalização da proposta. Verifica-se, neste ponto, que o órgão normativo optou pelo não tratamento infralegal da matéria, ficando os casos pertinentes para o tratamento sob a égide do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor e sua norma regulamentar (hoje o Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013 que cuida contratação no comércio eletrônico).

   Mas, de todo, isto em momento algum deve ser compreendido como uma inaplicabilidade ou inexistência do direito de desistência. Evidentemente tal direito persistirá sempre em benefícios dos consumidores e a opção das sociedades em claramente se portar com as entradas virtuais e remotas implicará sempre na condicionante temporal para a confirmação das relações. Diga-se isto para reconhecer os cuidados na gestão inicial das negociações, inclusive para os fins das atuações dos intermediários e demais agentes de angariação ou captação.

   Similar dose de preocupação deve se ter com o desaparecimento do dispositivo que afirmava que os dados cadastrais dos proponentes e contratantes não poderão ser objeto de cessão a terceiros, ainda que a título gratuito, e a sua utilização ficará restrita aos fins contratuais. É evidente que tal conteúdo continua presente na relação, e a sua supressão somente sua justificativa pelo fato que tal determinação não é restrito a operações realizadas por meios remotos, o que afasta do campo de normatização específico. E tal conclusão se ancora ainda na manifesta aplicação dos ditames da Lei Geral de Proteção de Dados, mas ai já é para outros comentários.

   O fato é que a nova resolução editada pelo CNSP consolida o emprego dos meios remotos nas relações realizadas no Sistema Nacional de Seguros, Previdência Aberta e de Capitalização, exigindo dos participantes os cuidados mais do que indispensáveis com o emprego das ferramentas que a tecnologia proporciona.

 

*Irapuã Beltrão

Graduado em Direito, passou no concurso de Procurador da SUSEP com 23 anos, exercendo a função até hoje como Subprocurador Chefe de Consultoria e Assuntos Societários. Atuou ainda como Gerente Geral de Normas e Análise de Mercados e Diretor Substituto na ANS de 2002 a 2006. Mestre em Insurance Law pela University of Connecticut e Doutor em Direito. Professor da Escola de Negócios e Seguros – ENS no Rio de Janeiro e também da FGV, do Ibmec e da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro – Emerj. Acadêmico da ANSP desde 2018.

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