1. EM RELAÇÃO AOS EFEITOS DA COVID-19 NA SAÚDE SUPLEMENTAR

 

  1. a) INTRODUÇÃO

 

A pandemia COVID-19 não foi a primeira nem a última crise enfrentada pela humanidade. Cada evento adverso, independente da gravidade de seus efeitos, encerra ensinamentos, alguns dos quais acabam por se converter em políticas públicas, de maior ou menor envergadura.

Tal fato, não obstante, não inibe, deterministicamente falando, a possibilidade de replicação de fenômenos similares no futuro, carregando menor ou maior gravidade. O fato é que o grande desafio se resume em exercícios de prospecção do futuro, os quais, convenhamos, não são tarefas triviais, devendo ser executadas, preferivelmente, por grupos multidisciplinares, despidos de oportunismos de situação.

  1. b) DEMANDA REPRIMIDA NOS PLANOS DE SAÚDE

A instalação da atual pandemia carregou em sua esteira – além das preocupações diretamente relacionadas com seu enfrentamento – indagações múltiplas, abrangendo várias áreas do conhecimento, como a econômica, a atuarial, a financeira e a própria área médica.

As empresas que atuam com os riscos seguráveis do segmento da saúde suplementar, empregando suas equipes atuariais, desdobraram-se para projetar as sinistralidades de suas carteiras durante e após o surto epidêmico.

A queda significativa da sinistralidade durante a pandemia, de longe não configurava um futuro promissor, já que atendimentos e terapias não relacionados com a COVID-19 foram sistematicamente postergados, não traduzindo a desnecessidade da assistência médica, por conta de curas eventuais e, porque não dizer, milagrosas.

Os exercícios de projeção costumam se valer ou de dados históricos ou de metodologias, calcadas na Teoria da Confiabilidade (Reliability Theory). Dados históricos simplesmente inexistiam quando a pandemia anunciou sua chegada.

Para usar-se, eficientemente, a Teoria da Confiabilidade, requer-se que a tecnologia adjacente ao fenômeno tenha sólidas bases técnicas, o que não necessariamente se constatou, em virtude de diferentes enunciados da infectologia não encontrar unanimidade entre os especialistas.

Na maré das incertezas, apenas as seguintes certezas emergem:

  • A demanda reprimida mostrará sua face em breve, afetando diferentemente os agentes do mercado, a depender dos perfis epidemiológicos das populações afetadas;
  • As informações para suportar projeções mais confiáveis ainda estão distantes do padrão mínimo de certificação;
  • A sociedade, em geral, ainda está despreparada para enfrentar este tipo de guerra, sobretudo quando a variável tempo for estressada.

 

 

  1. c) SOBRE A SUSPENSÃO DE REAJUSTE PELA ANS

 

Considerando o Comunicado de suspensão de reajuste pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – (ANS), por meio do DOU 85 de 31/08/2020 e do Oficio 89/2020/DIRAD-DIPRO/DIPRO da ANS de 04/09/2020, deve ser observado que a suspensão de reajuste irá incidir sobre as mensalidades de setembro a dezembro/2020. Desta maneira, os contratos que foram reajustados por mudança de faixas no período de janeiro a agosto/2020, terão os valores de reajustes suspensos nos meses de setembro a dezembro de 2020, ou seja, nesses meses, a mensalidade passará a ter o mesmo valor cobrado antes do reajuste aplicado.

As Operadoras já haviam emitidos as cobranças das mensalidades do mês de setembro/2020, ao emitir a cobrança de outubro/2020, deverá descontar o valor reajustado de setembro e outubro, conforme exemplo a seguir:

 

 

 

É importante destacar que, a medida tem efeito suspensivo para o período de setembro a dezembro de 2020. Por isso, em janeiro de 2021 os reajustes por mudança de faixa etária serão aplicados normalmente, ou seja, no caso do exemplo supracitado, a Operadora voltará a cobrar o valor de R$ 110 de mensalidade do beneficiário.

Esta decisão monocrática da ANS viola dois princípios fundamentais:

  • A conceituação do sistema financeiro-atuarial da repartição simples;
  • O desrespeito ao que foi livremente celebrado em contrato, agravando, portanto, a já combalida segurança jurídica.

 

O futuro para as operadoras de planos privados de assistência à saúde:

Com efeito:

  • As obrigações das operadoras, alicerçadas pela governança corporativa profissional, não cessarão, inobstante ações governamentais para atenuação dos efeitos negativos, consequentes de medidas que colidem com a melhor técnica;
  • A cobrança das contraprestações suspensas poderá encontrar a população com sua renda erodida, sem capacidade para honrar as dívidas acumuladas;
  • O congestionamento dos canais de atendimento dos beneficiários é uma possibilidade, que não deve ser descartada a priori, o que poderá ensejar aplicação de penalidades injustas para as operadoras, sobrecarregando suas obrigações de natureza financeira;
  • O teste de adequação de passivos, obrigatório para as operadoras de grande porte, revelará verdades até então relegadas a segundo plano.

 

Pela importância, cabe observar a necessidade de atenção redobrada por parte das Operadoras, quanto aos hábitos de utilização dos planos, passíveis de alteração substancial, visto que muitos prestadores – principalmente clínicas pequenas – acabaram fechando as portas por não haver pacientes eletivos neste período de pandemia, ou até mesmo pela redução drástica do número de eventos diários para atender as medidas de segurança.

Em resumo, a medida divulgada como correta politicamente, mas sem o necessário aprofundamento técnico, tem todos os ingredientes para promover o desequilíbrio atuarial do sistema de saúde suplementar, tendo como prejudicado final a figura de sempre: o consumidor.

 

  1. d) SEQUELAS DA COVID-19

Outro item que deve ser considerado para os futuros estudos, é quanto as sequelas causadas para os beneficiários.

Há diversos relatos de pacientes que não conseguem realizar tarefas simples do dia a dia, como praticar exercícios, escovar os cabelos, ou se alimentar corretamente. Há ainda, outras condições mais graves, como: inflamação cardíaca, depressão, fibrose pulmonar e dificuldade cognitiva, entre outras.

É óbvio que estas situações desembarcarão na necessidade de terapias em volumes não previstos na formação dos preços dos planos de saúde, que exigirão amplos estudos de reprecificações.

Os planos individuais e familiares são um capítulo à parte, dados os regramentos atuais envolvendo os correspondentes critérios de reajuste e revisão de seus preços. Não é necessário grandes conhecimentos atuariais para concluir que o somatório das situações expostas tende a desaguar na única via possível: aumento dos custos.

Concluindo, o gerenciamento prospectivo dos riscos com a saúde deve ser implementado em todas as esferas – privada e governamental – sem perder de vista o planejamento das medidas para minimização das consequências, diante da eventual realização destes riscos.

 

 

  1. E AINDA EM COMPLEMENTO TEMOS O EM RELAÇÃO AOS EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS

Para a previdência social o quadro não é melhor, já que a reforma para ajuste fiscal promovida pelo Governo deixou a previdência social órfã de medidas sérias de equilíbrio a longo prazo.

Impõe-se uma reforma profunda que envolva a concepção do sistema, estrutura dos benefícios, coberturas, alcance das coberturas, valor dos benefícios e aí por diante.

De outro lado não há definição legal do que seja invalidez, doença incapacitante e a maior parte dos conceitos. A ideia de recapacitar os empregados acidentados trabalha com conceitos da década de 40. É preciso uma nova definição dos contratos de trabalho, redução da carga de contribuições com um cálculo mais exato das necessidades. Para a previdência dos servidores públicos será necessário um desmonte radical, para começar do zero. Começa com uma nova estrutura de remuneração e o teto passar a ser de fato um teto e não uma vaga referência.

 

  1. EM RELAÇÃO AOS EFEITOS NA NOVA REALIDADE DEMOGRÁFICA

 

Um aspecto não menos relevante é o que se refere ao tamanho do mercado que será afetado pela nova realidade demográfica. A transição demográfica se encerra agora. As pessoas terão esperança de vida menor para todas as idades e as tábuas precisam capturar esta tendência com brevidade. Aliado a isto, haverá uma barriga demográfica por conta da pandemia, com mortes e invalidez de vários tipos que precisam ser devidamente consideradas.

O emprego de tecnologia atuarial adequada produzirá estimativas mais aderentes à realidade que se avizinha, evitando que os valores calculados estejam desnecessariamente inflados.

Com estas providências se espera reduções significativas das obrigações que atingem igualmente o consumidor, a empresa e o Governo. Olhar para o futuro com confiança e entender o que já mudou:

  • Acabou a transição demográfica;
  • A esperança de vida vai diminuir para todas as idades;
  • A probabilidade de morte vai aumentar para muitas idades;
  • Espera-se aumento no número de inválidos ou pessoas com capacidade laboral.

*Magali Zeller

Atuária e Auditora, certificada pelo Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) em Seguros, Saúde, Previdência, Capitalização e Resseguros, inclusive Avaliação do Passivo Atuarial de Benefícios Pós-Emprego (CPC 33 /IAS 19/IFRS/USGAAP). Contadora, especialista em Estatística e MBA em Gestão de Saúde. Sócia na AT Service Engenharia e Consultoria Atuarial. Coordenadora da Cátedra Ciência Atuarial da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP) e Colaboradora do IPCOM – Instituto Previdência Complementar e Saúde.

*Antonio Westenberger
Bacharel em Ciências Estatísticas. Professor de Estatística-atuarial. Atua como Consultor Independente. Sócio Diretor da Ícone Consultoria Soluções em Ciências Atuariais. Acadêmico da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).

*Sandra Odeli
Atuária e Gerente Atuarial.na CTS Consultoria Técnica Atuarial e Serviços. Acadêmica da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).

*Ivo Bettega
 Atuário, membro da Cátedra de Ciência Atuarial, especialista em Previdência Complementar e Base de Dados.

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