Um mês se passou desde que voltei da ITC (InsurTech Connect) de 2019, a maior convenção de seguros e tecnologia do mundo. Precisei deste tempo para digerir a quantidade enorme de informações colhidas em mais de 20 palestras e inúmeros encontros profissionais.

A convenção começou com a apresentação de Caribou Honig, um dos fundadores da ITC, pontuando algo relevante: começamos a ver os primeiros “unicórnios” no mercado de seguros, ou seja, as insurtechs entraram no radar de grandes investidores como as próprias seguradoras existentes e estabelecidas (ou “incumbentes”), as resseguradoras, os fundos de pensão, os fundos soberanos e fundos de private equity. É um indicativo claro de que gente muito grande e capitalizada descobriu que um dos melhores atalhos para atingir o estágio de transformação digital é através das mais variadas formas de relacionamento com as insurtechs, como, por exemplo, aquisições e parcerias.

Dado o foco no indivíduo em tudo que as empresas têm lançado em outros setores da economia, percebi o que vem por aí na indústria de seguros: apólices personalizadas apoiadas em processos operacionais rápidos, fáceis e talvez até invisíveis para o cliente. Adeus à massificação tão em voga até pouco tempo atrás. Com isso em mente, passaremos a ter cada vez mais processos “self-service”, isto é, atividades sendo executadas diretamente pelos próprios clientes.

Neste sentido, Chris Colborn da Lippincott trouxe uma reflexão importante: “as pessoas não estão interessadas em comprar furadeiras; elas querem o buraco feito”. Consequentemente, as pessoas não querem comprar seguro: elas querem prever, prevenir e se proteger contra os riscos e voltarem à situação de conforto caso venham a sofrer alguma perda. Precisamos repensar nossa lógica de construção de produtos bem como a forma como nos comunicamos com nossos consumidores. Às vezes tenho a impressão que continuamos vendendo furadeiras.

Como mudar isso? Glenn Shapiro, presidente de Personal Lines da Allstate, trouxe um palpite: a indústria de seguros ainda não passou por uma grande disrupção. Em uma excelente apresentação ele ilustrou que mesmo com a aplicação de tecnologia de ponta, grandes mudanças não são impossíveis – mas estão longe de serem fáceis. Há alguns obstáculos apontados por ele, como a grande necessidade de capital para atender os preceitos atuariais, a natureza dos riscos que cobrimos com nossas ofertas, a complexidade inerente à indústria (subscrição de riscos, sinistros, serviços acoplados às apólices, fraudes, etc.) e as exigências regulatórias. A estes pontos acrescento que, apesar da expectativa do mercado, aspectos atemporais do seguro como a integridade, a transparência e a confiança não sofrerão mudanças na transição do ambiente analógico para o digital.

No entanto, é consenso que a indústria de seguros precisará de mais inovação para oferecer proteção aos riscos característicos do século XXI como mudanças climáticas, instabilidade geopolítica e ataques cibernéticos. Este último, inclusive, mostrou ser o sinistro de maior preocupação na convenção. A expectativa das empresas em relação a ciberataques não é apenas receber o dinheiro da indenização, mas ter alguém que ajude-as a recolocar a empresa em funcionamento de novo, bem como traga sugestões de como fazer para que o problema não volte a acontecer. Foi uma surpresa ouvir as gigantes da tecnologia Google e Microsoft, que poderiam atuar diretamente neste mercado, negar que isto esteja em seus planos. Igualmente curioso foi ouvir na palestra seguinte, de Richie Whitt, CEO da Markel Insurance Company, uma grande seguradora americana: “Não acreditem no que eles (Microsoft e Google) acabaram de falar…”. Fiquei com a pulga atrás da orelha.

De qualquer forma, já é possível constatar a consolidação das insurtechs como catalisadoras da transformação da indústria de seguros. Anteriormente entendidas como ameaças, é um alento notar que são cada vez mais percebidas como parceiras para evolução dos negócios. Passou o medo de três anos atrás. Um exemplo incrível foi apresentado na palestra “Golias se junta a Davi”: a insurtech States Title adquiriu uma companhia de seguros estabelecida, chamada North American Title Insurance Company (NATIC). A NATIC chegou à conclusão que não tinha as habilidades necessárias para fazer uma transformação digital para melhorar a experiência do cliente e potencializar os resultados da empresa. Detalhe: a States Title tem 24 funcionários e a NATIC, 14 mil.

Outra palestra impactante foi proferida por Patrick Gee, VP de Personal Insurance da Travelers. Ele sugeriu que devemos elaborar produtos e processos que sejam mais transparentes para os clientes. Com o objetivo de fazer uma revisão profunda em seus processos, a Travelers usou como estudo de caso as atividades necessárias para liberação de pagamento de um sinistro de colisão parcial. Perceberam que, pela ótica da seguradora, o processo levava 10 dias para ser concluído. No entanto, observando-se pela perspectiva do segurado e da oficina este prazo era percebido como sendo de 30 dias! Após inúmeras modificações, utilizando-se de toda tecnologia possível e desenvolvendo novas soluções, conseguiram que a percepção do prazo para liberação do pagamento e início dos reparos caísse a zero. Sim, a zero. Bela provocação para repensarmos nossos modelos de negócio, trazendo a ótica da experiência do cliente para o cerne de toda e qualquer atividade empresarial.

Já a palestra “Insurtech 2.0: What you can do to win?” trouxe informações surpreendentes sobre mercado de trabalho. Baseada numa série de dados do setor de seguros nos EUA ficamos sabendo que o número de corretores e agentes está em crescimento naquele país, totalizando 800 mil profissionais! Portanto, caiu por terra a hipótese de que a tecnologia iria acabar com o distribuidor.

Outras constatações que são bem claras para quem opera diretamente no setor: o custo de aquisição (CAC – cost of aquisition) é uma variável crítica e está cada vez mais cara, e o valor do cliente no tempo (LTV – lifetime value) é a forma de mensurar a viabilidade do negócio. Além disso, ficou claro que ainda ninguém descobriu a fórmula de sucesso para a venda cruzada (cross-sell) em seguros.

Finalmente, foi uma experiência enriquecedora compor um painel de debates – mediado por Karim Hirji da Intact Ventures do Canadá – onde comparamos os mercados brasileiro (Minuto Seguros), indiano (Acko) e americano (Metromile), além de ter sido uma grande honra ser o primeiro brasileiro a participar como palestrante do ITC. Brasil, Índia e EUA são mercados de milhões de consumidores de seguros, mas estão em estágios de maturidade muito diferentes. Abordamos questões regulatórias, tecnológicas, taxa de penetração da indústria no PIB e empreendedorismo. Fica claro que vivemos num país com um grande potencial de crescimento para o mercado de seguros e que as insurtechs podem ser as importantes agentes da transformação necessária para que consigamos capturar inúmeras oportunidades.

 

Marcelo Blay

É fundador e CEO da Minuto Seguros

 

 

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