Ano passado, governo e mercado segurador iniciaram uma queda-de-braço sobre a criação de uma seguradora estatal, a Empresa Brasileira de Seguros – EBS.

O governo posicionou-se nesse sentido em função, principalmente, da escassez de capacidade ofertada pelas resseguradoras, especialmente para seguros de grandes obras, processo este desencadeado em 2009, fruto da crise financeira global advinda dos “subprimes” americanos.

À época, alguns importantes resseguradores haviam tanto ressegurado o risco de crédito, quanto aplicado parte de suas reservas naqueles papéis. Aliado a isso, as gigantes e recorrentes indenizações por catástrofes climáticas e a queda vertiginosa das cotações de suas ações, tudo isso contribuiu para a redução do patrimônio das resseguradoras e, consequentemente, de sua capacidade de aceitar riscos. Uma coisa é relação direta da outra.

No setor financeiro, quando o dinheiro para emprestar é escasso e os tomadores são muitos, escolhe-se aqueles tomadores com menor risco e que estejam dispostos a pagar mais (juros) pelo dinheiro emprestado. Com o mercado segurador não foi nem será diferente: quando a capacidade para aceitar riscos está reduzida, buscam-se segurados com menor risco e que paguem mais pelo seguro/resseguro. É o chamado “hard market”. Esse fenômeno atinge em cheio o seguro garantia e é menos sentido nos seguros de riscos de engenharia e responsabilidade civil, por exemplo.

Conceituada a causa da preocupação do governo, o mercado segurador foi bastante hábil em negociar: a questão não seria constituir uma seguradora estatal para disputar mercado com as privadas, o que seria um retrocesso à antiga decisão brasileira de desestatizar diversos setores da economia, além de desmotivar seguradores e resseguradores estrangeiros a se instalarem no Brasil.

A direção sempre nos pareceu clara: quando o mercado segurador não conseguisse garantir 100% das obras, o governo deveria completar a garantia. Daí a necessidade da constituição de uma Agência Brasileira de Garantias – ABG e não uma Empresa Brasileira de Seguros – EBS.

A ABG precisará se posicionar muito bem tecnicamente, porque, não raras as vezes, empresas e consórcios que tocam grandes obras não conseguem 100% das garantias pleiteadas junto as seguradoras, porque estão super-alavancados, ou operacionalmente, ou em relação ao seu patrimônio, ou ao seu capital de giro, ou de tudo isso um pouco. Mesmo que a obra fosse de interesse nacional, nessa situação, precisariam ser buscadas alternativas, como por exemplo, chamar outras empresas para o consórcio construtor que estivessem numa situação melhor. Essa métrica de risco é fundamental para o processo decisório de suplementar ou não a garantia para a obra. Afinal, no fim do dia, o dinheiro e patrimônio da ABG é fruto da contribuição de nossos impostos.

Nas demais situações nos parece oportuna a atuação da ABG. Outras crises globais virão e afetarão temporariamente a capacidade das seguradoras e resseguradoras em aceitar seguros. Catástrofes naturais estão cada vez mais recorrentes: que volume de indenizações de seguro teremos com os recentes terremoto e  tsunami no Japão?

Atos terroristas já mostraram o tamanho do estrago. Imediatamente após o 11-Set, as empresas aéreas dos EUA decidiram não colocar suas aeronaves no ar porque as seguradoras e resseguradoras haviam cancelado a cobertura de seguro para atos terroristas. Foi necessário o governo americano bancar tal cobertura, até que a situação se normalizasse. Imaginemos o impacto, por exemplo, no comércio mundial, caso nenhuma aeronave decolasse ou aterrizasse nos EUA durante um ou dois meses…

Por isso a ABG tem espaço. Mas sempre, sempre complementar ao mercado segurador.


Edmur de Almeida

Sócio-diretor da Alfa Real Consultoria e Corretagem de Seguros e Diretor da Academia Nacional de Seguros e Previdência.
edmur@alfareal.com.br