O informativo do Superior Tribunal de Justiça, disponibilizado no dia 17 de dezembro de 2010 em seu sítio, dá conta de um julgamento da Terceira Turma no qual aponta como voto vencedor à tese sufragada pelo ilustre ministro Paulo de Tarso Sanseverino no sentido de acolher como pretensos beneficiários os pais de um nascituro morto em razão de acidente de trânsito. No recurso especial, sob número 120.676-SC, discutiu-se se a morte do nascituro em decorrência de acidente de trânsito, gera ou não aos genitores dele o direito à indenização decorrente do seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (DPVAT).

Para o ministro, cujo voto foi vencedor o conceito de dano-morte como modalidade de danos pessoais, não se restringe ao óbito da pessoa natural, dotada de personalidade jurídica, mas alcança, igualmente, a pessoa já formada, plenamente apta à vida extra-uterina, embora ainda não nascida, mas, que, por uma fatalidade, teve sua existência abreviada em acidente automobilístico, tal como ocorreu no caso.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que há direito à cobertura pelo seguro obrigatório de danos pessoais, tendo em vista que o fato da morte do nascituro deixaria os pais já fragilizados com a perda de um ente querido, desrespeitando, ademais, à dignidade que o ordenamento deve albergar e reconhecer, inclusive, àquele que ainda não nasceu. (art. 7º da Lei n. 8.069/1990. Estatuto da Criança e do Adolescente).

Colhe-se em James Eduardo Oliveira, em escólios de Euclides Benedito de Oliveira, em sua obra “A Indenização por Danos Morais ao Nascituro” que “da mesma forma que merece proteção jurídica o amental, a criança ainda na primeira fase de vida ou aquele que esteja em vida comatosa, quando se lhes acarrete dano à personalidade, também enseja atenção o nascituro, em face do resguardo dos seus direitos desde a concepção. Não é porque lhe faltem sentimentos, ou capacidade para expressá-los, que possa vir a ser ofendido em sua honra ou em outros aspectos de seu patrimônio pessoal”.

No direito contemporâneo cabe o registro de Carlos Roberto Gonçalves no sentido de que “defendem a teoria concepcionista, dentre outros, Pierangelo Catalano, professor da Universidade de Roma, e Silmara J.A. Chinelato e Almeida, professora da Universidade de São Paulo. Afirma a última: “Mesmo que ao nascituro fosse reconhecido apenas um status ou um direito, ainda assim seria forçoso reconhecer-lhe a personalidade, porque não há direito ou status sem sujeito, nem há sujeito de direito que tenha completa e integral capacidade jurídica (de direito ou de fato), que se refere sempre a certos e determinados direitos particularmente considerados. Não há meia personalidade ou personalidade parcial. Mede-se ou quantifica-se a capacidade, não a personalidade”.

Da mesma sorte, ao examinar o atual artigo 2º do nosso Código Civil (antigo art. 4º), o legislador vislumbrou que “ no suporte fáctico da regra jurídica nasciturus pro iam nato habetur, não  há inversão de elementos; a eficácia é que se antecipa: antes do suporte fáctico da pessoa se completar, atribuem-se efeitos ao que é suporte fáctico de agora, portanto incompleto para a eficácia da personalização. Seria desacertado só se reconhecerem todos os efeitos após o nascimento, como desacertado seria admiti-los todos. Procurou-se a melhor solução: “resguardem-se” os interesses desde já.”

Deste modo, penso que na esteira destes ensinamentos, continuou o relator do recurso especial em comento, “a pretensa compensação advinda da indenização securitária estaria voltada a aliviar a dor, talvez não na mesma magnitude, mas muito semelhante à sofrida pelos pais diante da perda de um filho, o que, ainda assim, sempre se mostra quase impossível de determinar. Por fim, asseverou que, na hipótese, inexistindo dúvida de quem eram os ascendentes (pais) da vítima do acidente, eles devem figurar como os beneficiários da indenização, e não como seus herdeiros.”

De fato. Leve-se ainda em consideração que o direito securitário não é um direito hereditário, mas direito próprio que não carece de obediência à regra sucessória.

Por estas razões, penso que o Superior Tribunal de Justiça, por maioria dos membros da Terceira Turma, decidiu acertadamente ao proteger à família, que além de sofrer o abalo da morte de um “futuro filho” decidiu levando em conta o princípio de um direito expectativo plasmado em regras de bom senso e, sobretudo, de equidade.
Ademais, cuidando-se de um seguro eminentemente social, o seguro DPVAT deve proteger toda a forma de acidente de trânsito objetivando minimizar os prejuízos pessoais e morais das vítimas, que muitas vezes ficam ao desamparo de qualquer proteção patrimonial neste tipo de cobertura securitária.


Voltaire Giavarina Marensi

Advogado; professor no DF; Acadêmico da ANSP.