1. Origem desta modalidade de seguro.

Segundo o relato dos doutrinadores versados em sede de contrato de seguro, um dos primeiros casos de seguro de responsabilidade civil foi o de abordagem. Essa era uma figura do direito marítimo que, no dizer do Professor Raul Varela , consistia no “choque de dois navios no mar”.

O saudoso jurisperito Pontes de Miranda aduz que nos contratos de seguro, em caso de incêndio, costumava-se inserir a cláusula de seguro da indenidade ao locatário, ou ao locador, ou aos vizinhos.

Donati diz que o seguro contra a responsabilidade civil tem uma origem recente, estando os primeiros gérmens ligados com o seguro marítimo. Afirma, outrossim, “que os seguros de responsabilidade civil surgem em princípio do século passado na França e Inglaterra (responsabilidade civil – tráfego de veículos de tração animal) e se ampliam mais tarde na Alemanha e em outros países, por riscos sobre o trabalho industrial, aos transportes ferroviários, à responsabilidade profissional e, por último, à circulação automobilística e aérea”.
O Brasil teve a sua primeira regulamentação sobre responsabilidade civil com o Decreto nº 2.681, de 07.12.1912, que disciplinou a matéria das estradas de ferro, embora nossa legislação tenha se filiado nesta seara à teoria do risco, desenvolvida na França por Josserand. No Brasil, o instituto da responsabilidade civil, salvante o disposto no artigo 788, do Código Civil de 2002, caput, que cuida dos seguros legalmente obrigatórios, a responsabilidade subjetiva ou culpa aquiliana é consagrada também no caput do artigo 787
desse diploma legal, ao dizer que o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro. O Código Civil de 1916 não contemplou, de modo expresso, em nenhum dos seus artigos que tratou deste instituto, o seguro da responsabilidade civil.
De lege ferenda, o Substitutivo apresentado pelo deputado Leandro Sampaio ao Projeto de Lei nº 3.555, de 2004, que “estabelece normas gerais de seguro privado e revoga disposições em contrário”, em tramitação na Câmara dos Deputados, sob análise da Comissão Especial, “abre” um capítulo específico que cuida do tema nos artigos 104 a 108 de uma maneira mais minudente do que a atual legislação inserta em nosso Código Civil, que versa esta matéria na Seção II, sob o título “Do Seguro de Dano”.

2. Definição.

Para José de Aguiar Dias, encontramos a sua definição no direito pátrio, referindo-se ao Código Civil anterior de 1916, adaptando o art. 1.432 daquele diploma legal, nos seguintes termos: “Seguro de responsabilidade é o contrato em virtude do qual, mediante o prêmio estipulado, o segurador garante ao segurado o pagamento da indenização que porventura lhe seja imposta com base em fato que acarrete sua obrigação de reparar o dano”.

 Atualmente essa definição está expressamente prevista nos artigos 787 e 788 do Código Civil de 2002.

A garantia é a tônica dessa definição, cuja subsunção legal arrosta a condicionalidade e a álea como elementos principais de sua característica.

Camilo Viterbo formula uma definição, que denomina de “provisória”, assim exposta: “O seguro da responsabilidade civil (haftpfichtverzicherung assurance de la responsabilité civile) é aquela espécie de seguro na qual o segurador se obriga a indenizar o segurado do dano patrimonial que este sofra, como conseqüência legal de uma responsabilidade civil – não penal – em que haja incorrido”.

É, de início, a seu juízo, uma definição imprecisa. Já Vivante usa por demais a expressão “seguro contra o risco locativo”, tratando-se de um verdadeiro e próprio seguro de responsabilidade civil.

Para os clássicos da responsabilidade civil Mazeaud et Tunc, o seguro de responsabilidade “é um contrato pelo qual o segurador se compromete a garantir o segurado contra as reclamações das pessoas, com respeito às quais poderia ser exigível a responsabilidade desse segurado e contra as resultantes dessas reclamações, em troca do pagamento, pelo segurado, de uma soma fixa e antecipada, o prêmio, devido geralmente por vencimentos periódicos”. E arrematam: “Formam, assim, parte dos seguros contra danos, que garantem o segurado contra os riscos que ameaçam seus bens ou sua fortuna”.

Nesse pensar, a análise acurada de Savatier, muito bem lembrada por Sílvio Rodrigues, “se consegue evitar que o dever de indenizar faça do responsável uma outra vítima”.

 

3. Seguro de Responsabilidade Civil e seus Efeitos Jurídicos no Novo Código Civil.

                             O Seguro de Responsabilidade Civil, como já me referi alhures, está inserto no novo diploma material dentro da Seção II, Do Seguro, que cuida do Seguro de Dano, especificamente no artigo 787, que dispõe:

“No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiros”.

Da exegese deste tipo contratual se dessume que, “ O interesse exposto ao risco de imputação de responsabilidade civil não decorrente de dolo do segurado, trate-se de responsabilidade civil contratual, trate-se de responsabilidade civil aquiliana, pode ser objeto mediato do contrato de seguro.” (In, Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti, Ayrton Pimentel O Contrato de Seguro, de acordo com o novo Código Civil Brasileiro, 2ª edição, pág. 132).

“No que toca, entretanto, à cobertura de Responsabilidade Civil Facultativa, sustentável quer nos parecer, no dizer de Ricardo Bechara Santos, a recusa sem maiores indagações, de modo que as vítimas dos danos causados pelo veículo, materiais ou pessoais, sejam suportados por quem diretamente os causou, no caso aquele que o conduzia, sem qualquer relação de preposição com o segurado” (In, Direito de Seguro no Novo Código Civil e Legislação Própria, Editora Forense, pág. 307, Rio de Janeiro, 2006, pág. 307).

De outra banda, honrado pelas citações doutrinárias a mim dirigidas pelo ilustre ex-ministro José Augusto Delgado, em sede de seguro de responsabilidade civil, diz o emérito doutrinador:

“Lembra, ainda, Voltaire Marensi, ob. cit., pág. 344, que, para Mazeaud e Tunc, o seguro de responsabilidade civil é um contrato pelo qual o segurador se compromete a garantir o segurado contra as reclamações das pessoas, com respeito às quais poderia ser exigível a responsabilidade desse segurado e contra as resultantes dessas reclamações, em troca do pagamento, pelo segurado, de uma soma fixa e antecipada, o prêmio, devido geralmente por vencimentos periódicos. E arrematam: formam, assim, parte dos seguros contra danos, que garantem o segurado contra os riscos que ameaçam seus bens ou sua fortuna”. (In,  Comentários ao Novo Código Civil, vol. XVI, Tomo I, Editora Forense, 2004, pág. 563).

Vale dizer, via de regra, enquanto os prejudicados não reclamam os danos, o segurado não poderá pleitear o pagamento da indenização junto ao seu segurador. É um seguro com beneficiário indeterminado que se determinará quando houver o pagamento da indenização prevista na apólice. Por outro lado, não mais se questiona como outrora o debate que envolvia a licitude, ou não, deste instituto jurídico. Todos sabem que quando da elaboração do Código Beviláqua, se questionava da possibilidade de se dar cobertura a um ato ilícito, pois se o seguro de responsabilidade civil visava acobertar atos danosos praticados pelo segurado, estes não seriam atentatórios à ordem jurídica? A doutrina à época acabou por pacificar que, se estes atos não fossem resultantes de dolo de quem o praticou, a cobertura seria plenamente aceita pelo direito. Tal entendimento perpassou no tempo e hoje está corporificado no artigo 762 do novo Código Civil, que preceitua:

“Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro”.

Assim, forte nesta linha de conduta o legislador ao disciplinar o instituto disse que, o seguro de responsabilidade civil garantirá o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro. É inquestionável nesta ótica que a garantia se refere a culpa em sentido estrito, não abarcando o dolo do segurado.

Picard et Besson, renomados tratadistas franceses na área securitária afirmaram “que o seguro de responsabilidade civil é um seguro de danos, não de uma dívida”.

A garantia coberta neste seguro se limita ao valor fixado na apólice de seguro resultante do negócio jurídico subjacente no contrato.

Antes da abordagem dos parágrafos do artigo 787 do Código Civil de 2002, que tratam dos procedimentos que o segurado deve tomar quanto à sua seguradora, é conveniente que se ressalte que estes são cópias do que já prevêem os códigos estrangeiros mais modernos ao tratarem deste instituto jurídico.

O primeiro parágrafo do caput deste dispositivo legal, diz:

“Tão logo saiba o segurado das conseqüências de ato seu suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador”.

Exige o código que o segurado dê ciência de seu ato danoso ao seu segurador, visando minimizar os riscos e suas conseqüências daí advindas. Esta atitude objetiva permitir que a seguradora, de posse das informações de seu segurado, possa avaliar melhor a extensão do risco e suas conseqüências.

Impende sublinhar que este entendimento encontra-se adequado com a leitura do segundo parágrafo deste artigo (787 do CC), quando determina:

 “É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador”.

Este dispositivo coibe que o segurado reconheça sua culpa. Uma hipótese que ocorre com freqüência, na prática, diz respeito em matéria de acidente de trânsito quando o segurado se diz culpado, diretamente, perante o terceiro ou preenche boletim de ocorrência policial neste sentido. Da mesma forma, quando paga os danos resultantes de seu ato ilícito, sem ciência de sua seguradora. Todas estas situações, sem conhecimento prévio da seguradora, agravam, teoricamente, o risco previsto no contrato de seguro.

O parágrafo terceiro, em exame, que se comenta, preceitua:

“Intentada a ação contra o segurado, dará este ciência da lide ao segurador”.

A dicção deste dispositivo legal não carece de maior exegese. Assim, caso o terceiro se volte, de imediato, contra o causador do dano – o segurado – caberá a este dar conhecimento da demanda, sem tardança, ao seu segurador.

Por fim, no último parágrafo deste dispositivo legal, isto é, no quarto, se lê:

“Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se o segurador for insolvente”.

Nesta hipótese legal preconiza o legislador que a insolvência, rectius, a falência da seguradora não isentará o causador do ato ilícito perante o terceiro prejudicado. E isto por uma fácil compreensão, de vez que a quebra do segurador não pode por cobro a uma situação resultante de um ato autônomo ocorrido entre partes distintas, vale dizer, segurado e terceiro. Cuida-se de res inter alios que em nada prejudica o vitimado pelo evento danoso.

No segundo e último dispositivo do Código Civil de 2002, que disciplina o seguro de responsabilidade civil, isto é, artigo 788, o legislador assim se exprimiu:

“Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado”.

Significa dizer que, nos casos previstos no Decreto-Lei, número 73, de 21 de novembro de 1.966, artigo 20, que tratam dos seguros obrigatórios, a indenização será paga diretamente pelo segurador ao prejudicado, sem necessidade que o segurado causador do sinistro participe “da negociação” da indenização do terceiro prejudicado. Aliás, esta redação está plasmada, atualmente, no caput do artigo 788 do nosso Código Civil. Uma vez mais, se poderá exemplificar com o seguro automóvel, quando por intermédio do seguro DPVAT a seguradora indeniza a vítima, diretamente, sem necessidade da participação do segurado, ou até mesmo de seu advogado.

No entanto, duas rápidas colocações se fazem presente neste caso exemplificado, isto é, do seguro DPVAT. Uma diz respeito a falta de conhecimento da população na liquidação deste sinistro, aliado ao fato de que parte significativa da frota de veículos nacionais não paga o prêmio malgrado, ele esteja imbricado com as quotas do IPVA. Estes fatores dificultam o pagamento da indenização a milhares de vítimas mutiladas em acidentes de trânsito, embora o STJ entenda que a indenização, mesmo assim, será devida. A outra mais gritante, mas, certamente, não a última causa de perplexidade na sistemática deste seguro, se refere ao pequeno montante da indenização coberta por este tipo securitário. As indenizações, quer em caso de morte ou de atendimento médico-hospitalar, ficam bastante aquém dos sofrimentos das vítimas. Certamente, tudo isto é uma questão que envolve um aspecto político cultural, que deverá ser mais conscientemente considerado pela autoridade pública, afetando à área de atuação destas atividades do mercado securitário.

Por fim, o comentário que se faz diz respeito ao parágrafo único do artigo 788 do Código Civil de 2002, que reza, verbis:

“Demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover a citação deste para integrar o contraditório”.

Pela leitura e redação do dispositivo acima transcrito o legislador consagra de vez a possibilidade, algumas vezes objeto de acessos debates jurisprudenciais, da ação direta do terceiro contra a seguradora do segurado causador do ato ilícito. É verdade que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já vinha admitindo em sede de seguro de responsabilidade civil a ação do terceiro prejudicado contra a seguradora que o segurado tinha seu contrato de seguro. Tal situação expressa ipsis verbis pelo novo estatuto material coloca uma “pá de cal” em qualquer entendimento, que outrora ensejava algum tipo de discussão acadêmica. Certamente trata-se de uma conquista pretoriana que acabou incorporada pelo legislador civilista.

Dessarte, a ação direta da vítima contra o segurador abrevia o iter processual com célere prestação jurisdicional, fazendo com que os prejudicados obtenham uma mais pronta indenização pelos danos sofridos.Assim, mesmo quando o segurado por hipótese deixa de pagar uma prestação do prêmio (que é sua contraprestação para receber a indenização do seguro), o terceiro vitimado não ficará ao desamparo da ordem jurídica. Caberá, neste caso, apenas como procedimento processual à seguradora, quando acionada, promover a citação do segurado em caráter de litisconsórcio necessário, a fim de integrar o contraditório na demanda da vítima contra o segurador.

Questão interessante que tem ocorrido na prática, com relação a ação direta movida pelo terceiro contra as partes – segurado e segurador – diz respeito a possibilidade, ou não, do terceiro vitimado aforar ação indenizatória, com caráter de solidariedade contra ambos.
Note-se que o instituto da solidariedade faz com que do lado passivo dois devedores estejam equiparados no mesmo grau de corresponsabilidade pela obrigação assumida perante um ou mais credores, ex vi legis, artigo 275 do Código Civil de 2002. Em outras palavras, seria possível que o terceiro pudesse pleitear o pagamento de uma dívida oriunda de um ato ilícito do segurado e do segurador no mesmo plano de angularidade processual? Acredito que isto não seja possível, de vez que a indenização a cargo do segurador estará adstrita aos termos do contrato,vale dizer, dentro dos limites previstos na apólice de seguro. Assim, se o terceiro prejudicado tiver seu veículo totalmente destruído em razão de um ato danoso praticado pelo segurado poderá aquele aforar, solidariamente, uma demanda contra o causador e seu segurador? A questão posta, a meu juízo, sofre restrições de vez que a seguradora só estará obrigada a reembolsar – garantir – os danos dentro do limite contratual previsto na apólice de seguro, nada mais do que isto, sob pena de exceder o que se contratou. Ao azo, calha à espécie o exemplo colacionado por Theotonio Negrão, ao comentar o artigo 783 do Código Civil, assim exposto: “p. ex., segurado por R$ 500,00 (quinhentos reais), bem de valor equivalente a R$ 1.000,00 (mil reais), sua perda pela metade ensejará o pagamento de indenização equivalente a R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais). (In, Código Civil, 29ª edição, 2010, p. 248)”.


Voltaire Giavarina Marensi

 Advogado; professor no DF; Acadêmico da ANSP.