Em outro artigo que comentei súmulas exaradas pelo Superior Tribunal de Justiça, vali-me na ocasião da moderna doutrina processualista ao ensejo do advento do Código de Processo Civil de 2015.

Hoje, com amparo em um tradicional vocabulário jurídico do conhecimento de todos os lidadores do Direito, invoco-o para dizer que “no âmbito da uniformização da jurisprudência, indica a condensação de série de acórdãos, do mesmo tribunal, que adotem idêntica interpretação de preceito jurídico em tese, sem caráter obrigatório, mas, persuasivo, e que, devidamente numerados, se estampem em repertórios”.[1]

Por unanimidade, a 2ª Seção do STJ aprovou no dia 12/12/2018, talvez, duas últimas novas súmulas deste ano judiciário. O verbete que interessa diretamente ao contrato de seguro diz respeito à súmula 620, que tem a seguinte redação: ” A embriaguez do segurado não exime a seguradora do pagamento da indenização prevista em contrato de seguro de vida”.

O recurso que deu azo a edição deste novo enunciado foi oriundo do recurso especial nº 1.665.701-RS.

Convido a atenção do leitor para o que constou no item 5 inserto nos embargos de declaração do sobredito recurso, aonde se lê:

“É lícita, no contrato de seguro de automóvel, a cláusula que prevê a exclusão de cobertura securitária para o acidente de trânsito (sinistro) advindo da embriaguez do segurado que, alcoolizado, assumiu a direção do veículo. Configuração do agravamento essencial do risco contratado, a afastar a indenização securitária. Precedente da Terceira Turma.[2]

Neste sentido objetivando afastar a casuística daquele precedente o relator do caso em tela, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, disse a certa altura de seu voto:

” Logo, no caso dos autos, apesar de a segurada ter falecido em razão de grave acidente de trânsito decorrente de seu estado de embriaguez, tal fato não afasta, no seguro de vida, a obrigação da seguradora de pagar ao beneficiário o capital segurado, sendo abusiva, com base nos arts. 3º, § 2º, e 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, a previsão contratual em sentido diverso.”[3]

Ao ensejo da decisão em comento, cabe o registro de que o Código de Seguros francês não faz qualquer distinção quanto à modalidade de seguro, quer de automóvel, quer de seguro de vida para reputar não válida a cláusula que exclui a garantia do segurado na hipótese de condenação por conduzir em estado de embriaguez, sob estado alcoólico ou de substância entorpecente.[4]

 Aliás, em sede doutrinária com escólios em renomados mestres franceses como M. Picard e A. Besson afirmei que eles identificam a distinção do aumento do risco da exclusão do risco. Na ocasião em que abordei este tema citei o que prevê o Código Civil italiano em seu artigo 1898, – Código de 1.942 -, que cuida do agravamento do risco[5], hoje, já com assento em um moderno Código de Seguros.[6]

Por tais fatos, em ligeira síntese, registro o que escrevi alhures:    ” O simples diagnóstico do álcool no organismo do segurado não pode continuar sendo justificativa para a negativa de pagamento da indenização, se não existe prática intencional do ato e nexo de causalidade entre a ingestão da substância torpe e o evento que ocasionou o sinistro”. E, disse, ao azo, mais: ” Na União Europeia, por exemplo, existem seguradoras que estipulam cláusulas específicas de exclusão por embriaguez, desde que sejam encontrados índices de graduação alcoólica de 0, 5 a 0,8 decigramas por litro de sangue da pessoa do condutor.[7]

Enfim, não alvitro nestas ligeiras considerações pertinentes ao tema qualquer modalidade de contravenção ou, talvez, ato culposo contra a legalidade, mas, sim, levantar situações ou casuísticas que possam ser melhor refletidas e cuidadas, notadamente quando estamos à frente no Senado da República de uma eventual possibilidade de ser aprovado o PLC nº 29/2017, que cuida de disciplinar uma nova roupagem ao nosso contrato de seguro decantado outrora como “Esse Desconhecido”.[8]

O tema que sem dúvida envolve o viés agravamento, ou exclusão de risco e quer de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, quer em sintonia com o moderno direito securitário envolve “riscos excluídos e interesses não indenizáveis que devem ser descritos no contrato de seguro de forma clara e inequívoca”.[9]

Assim, como já adiantei acima que, ele, – Contrato de Seguro -, seja conhecido e, de consequência, debatido exaustivamente por todos os que preconizam e aguardam a cada dia um maior aprimoramento de nossas instituições jurídicas, sem quebra de princípios básicos e fundamentais que arrosta ao longo dos séculos um contrato tipo, assim denominado na feliz expressão de Orlando Gomes.

 

[1] De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico Conciso, Editora Forense, 2008, pág. 680.

[2] Site certificado – DJe: 06/09/2017.

[3] Bis in idem, pág. 5.

[4] Art. L. 211 – 6 (mod. 1. nº 2003-87, 3  févr .2003).

[5] Voltaire Marensi, ” O Seguro, a Vida e sua Modernidade, 2ª edição, Lumen Juris, 2011, pág. 379.

[6] Codice delle assicurazioni private. D.ls 7 settembre 2005, n. 209.

[7] Obra citada, pág. 378.

[8] Anais de um dos Congresso de Seguros com a participação de diversos colegas securitários. S/ data.

[9] Verbi gratia, § 1º, do art. 14 do PLC 29/2017.

 

*Voltaire Giavarina Marensi

É advogado e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador da Cátedra de Direto do Seguro e Acadêmico da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP.

 

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