Se estabelecermos um paralelo entre o sistema financeiro e os sistemas de saúde no Brasil e no resto do mundo encontraremos muitas semelhanças, assim como acharemos soluções que podem ser aplicadas em ambos os sistemas com os ajustes necessários às peculiaridades de cada um. Em uma análise cuja margem de erro está mais nos casos particulares ou localizados, podemos classificar por cores os nossos sistemas de saúde em duas categorias: o SUS seria vermelho e o Suplementar, amarelo. Quais são os critérios que me levaram a essas cores?

Li um interessante artigo publicado no Valor Econômico de 6 de novembro de 2011, de autoria do professor Roberto Luis Troster, doutor em Economia pela USP e professor da PUC/SP, USP e Mackenzie denominado “As cores e as dores dos sistemas financeiros”, tema a ser apresentado ao XIX Congresso Brasileiro de Economistas. Ele classifica os ciclos de intermediação do sistema financeiro em quatro cores: verde-contribuição, amarela-fragilização, vermelha-crise e cinza-recuperação e faz uma análise das últimas situações conjunturais no Brasil e no mundo. Nesse artigo encontrei várias semelhanças entre as fases ora vividas pelos sistemas de saúde oficial (SUS) e o suplementar (planos e seguros de saúde) com as do sistema financeiro.

O que está acontecendo com a economia no Brasil repercute diretamente nas atividades da área de saúde, tanto do SUS quanto do sistema privado suplementar, que compreende os planos e seguros de saúde, estabelecimentos de saúde, médicos, dentistas e demais profissionais da saúde, indústria farmacêutica e o setor industrial de equipamentos hospitalares, materiais descartáveis, órteses e próteses.

O SUS inegavelmente vive uma fase vermelha e de crise intensa, grande parte decorrente da má gestão dos recursos, descentralização do atendimento para os municípios que, em sua grande maioria, não dispõem de meios para executar essa tarefa, aumento dos custos operacionais com a introdução de novas tecnologias para exames e procedimentos hospitalares e novos medicamentos sem o adequado planejamento operacional e orçamentário. Ou seja, problemas precisam ser atacados com um plano estratégico que contemple várias ações para atender a população de forma rápida e eficiente nas áreas com mais demandas de consultas, exames para diagnóstico, internações cirúrgicas, tratamentos para reabilitação ou acompanhamento de doenças crônicas. Isto sem mencionar os programas de prevenção que permitem reduzir custos ambulatoriais e hospitalares.

Quando recentemente a economia internacional entrou em crise e produziu a quebra dos bancos Bear & Stearns e Lehman Brothers nos EUA, o governo daquele país correu e despejou bilhões de dólares no restante do sistema bancário e em várias indústrias para evitar um colapso geral que afetaria a toda a população americana, que até hoje vive uma fase de lenta recuperação. Providências idênticas, mas em menor grau ocorreram no Brasil e em praticamente todos os países que estão interligados ao sistema financeiro internacional. Acreditamos ter passado incólumes pela crise, mas o que houve foi apenas um retardamento na sua chegada ao Brasil. Ela já chegou e vai nos afetar inexoravelmente, por isso, temos que nos preparar.

O Sistema Único de Saúde – SUS

O Sistema Único de Saúde – SUS, sistema composto pelo Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, deveria proporcionar atendimento integral à população para redução do risco de doença e de outros agravos e permitir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Isto não tem acontecido, pois foi afetado igualmente e sob vários aspectos: os preços dos materiais, novas tecnologias e medicamentos subiram, mas os recursos oriundos dos orçamentos federal, estaduais e municipais não acompanharam o ritmo desse aumento de custos. Isto sem mencionar que a demanda pelos serviços também cresceu. As reclamações apresentaram um incremento significativo e a quantidade de problemas relacionados à má gestão dos recursos financeiros e humanos também. Ou seja, muitos problemas, muita política e poucas soluções para o efetivo enfrentamento da situação.

O Sistema Suplementar de Saúde

Por outro lado, o sistema suplementar de saúde composto pelas operadoras de planos e seguros de saúde, os beneficiários desses planos e os prestadores de serviços, sob a fiscalização e regulação da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, atravessa uma fase amarela e de fragilização, pois também foi afetado. Este sistema que hoje atende cerca de 25% da população brasileira foi fortemente afetado pela inflação dos chamados custos médicos e hospitalares, resultante de novas tecnologias, procedimentos e medicamentos e pelo aumento da demanda de serviços, pelas continuas normas regulamentadoras da ANS, pela queda na oferta de leitos hospitalares e dos sucessivos conflitos com os prestadores de serviços, especialmente os médicos, todos em busca de melhor remuneração.

Neste período o contingenciamento da remuneração dos estabelecimentos de saúde, médicos, dentistas e demais profissionais da saúde pelas operadoras de planos e seguros de saúde é justificada por várias razões, dentre as mais alegadas estão a introdução de novos procedimentos pela ANS, que agregam tecnologias mais custosas, novos medicamentos, órteses e próteses e o aumento dos casos de alta complexidade, especialmente oncológicos e cardiológicos.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS

O processo regulatório começou em 1999, mas foi efetivamente disparado a partir de 2000, com a criação da ANS. Nos primeiros anos o foco foi nos aspectos relacionados às coberturas dos planos e nos direitos dos usuários, ficando os fundamentos econômicos e financeiros do sistema para uma segunda etapa, fato que gerou distorções importantes na liquidez das operadoras, o que veio a produzir nos últimos anos, uma situação de 400 operadoras em situação de risco, que já deveriam ter sido absorvidas por outras ou liquidadas pela ANS, prejudicando o mercado com serviços de baixa qualidade e os seus usuários.

A ANS busca um projeto irrealizável de equalizar os serviços das operadoras de planos e seguros de saúde ao padrão ideal do SUS, nunca alcançado, qual seja o atendimento integral à população assistida visando a redução do risco de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação, porém, não apresenta nenhuma fórmula que permita viabilizar esse projeto no âmbito das operadoras, pois, enquanto no Sistema Público há sempre a possibilidade da criação de um novo imposto para suprir necessidades ou cobrir déficits orçamentários, nas operadoras não há válvula de escape. A má gestão leva à insolvência e à liquidação extrajudicial da empresa.

O Futuro da Saúde no Brasil

Hoje temos um Sistema Suplementar de Saúde que funciona melhor do que o SUS, mas com várias fissuras estruturais no seu modelo econômico-financeiro, altamente concentrado nas regiões sudeste e sul do país, baixa penetração nas pequenas cidades e, apesar de arrecadar recursos em valor maior (R$ 89 bilhões – 2011) do que a verba orçamentária do SUS (R$ 70 bilhões), ainda não consegue atender seus usuários dentro dos padrões almejados pela ANS e pelos beneficiários dos planos, todavia, tem ampla aprovação por parte dos seus usuários.

Há alguns desafios a vencer, como a eliminação de barreiras de acesso aos idosos e aos portadores de doenças preexistentes, cuja solução está mais nos cálculos atuariais e estatísticos relacionados à utilização dos serviços médico-hospitalares do que em resoluções emanadas da ANS.

Decorridos mais de doze anos da sanção da Lei nº 9.656/98, que regulamentou as operações dos planos de saúde privados, que, aliás, foi alterada por 41 medidas provisórias, é chegado o momento de se fazer uma cirurgia no seu conteúdo, consolidando-o e atualizando seus conceitos, além de incorporar ao texto as melhores práticas que foram construídas ou aperfeiçoadas no decorrer dos últimos anos, assim como incluir os prestadores de serviços, os fornecedores de equipamentos e materiais hospitalares, os laboratórios farmacêuticos e todos os demais atores que interferem na economia do Sistema, para que possam discutir suas pretensões e remunerações e acompanhar as normas exigidas das operadoras, viabilizando-as em prol dos usuários dos planos e seguros de saúde, razão de ser do Sistema de Saúde Suplementar e de todos os esforços gerados por milhares de pessoas envolvidas.


Horacio L.N. Cata Preta

Sócio-diretor presidente da HVCP, Sócio-diretor Gerente da Golden Insurance e Professor, palestrante, titular da Cátedra de Saúde da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP
hcp@goldeninsurance.com.br