Não é preciso ser um grande especialista em saúde pública ou privada para perceber que inexoravelmente estamos nos aproximando de um grande impasse: haverá recursos para atender a população que utiliza os hospitais e os postos do SUS? E os planos de saúde, conseguirão cumprir as determinações da ANS e atender adequadamente os seus clientes?

Sabemos que os recursos orçamentários da União, dos Estados e dos Municípios permitem apenas um atendimento básico à população de baixa renda, que, por sua vez, não dispõe de renda para adquirir um seguro ou plano de saúde privado. Se o Governo Federal dobrar os atuais valores, ainda assim, muitos anos serão necessários para se chegar a um patamar adequado de atendimento com qualidade e efetividade aos cidadãos.

O enunciado constitucional contido no “art. 198 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações de serviços para sua promoção, proteção e recuperação” ainda é uma promessa a ser cumprida. Os vários governos após a redemocratização do país ainda não encontraram o caminho certo para a plena estruturação do SUS, que tem enfrentado escassez de recursos para a sua manutenção, ampliação e investimentos em novas tecnologias e serviços, problemas de gestão e de distribuição da rede de atenção básica e hospitalar, isto sem mencionar os baixos salários dos profissionais de saúde e o distanciamento entre os cidadãos (clientes do SUS) e os provedores de serviços de assistência médica.

É imprescindível que o próximo Presidente da República priorize em sua agenda de trabalho a área da Saúde, não só direcionando novos recursos para o SUS, mas designando gestores eficientes que possam focar nos grandes problemas já diagnosticados de assistência médica e de prevenção, isto sem esquecer a questão da vigilância sanitária e do saneamento básico – água e esgoto tratados –, que permitirão reduzir inúmeras doenças e dar melhor qualidade de vida às populações hoje desassistidas.

Sabemos que a agenda do Presidente é complexa e os recursos orçamentários escassos, mas se houver vontade política e determinação para atender a população mais necessitada, soluções serão encontradas.

Até mesmo uma Bolsa Saúde pode ser cogitada, ainda que emergencialmente, pois o cidadão cuida melhor do dinheiro do que o Governo! Ele saberá onde buscar a melhor assistência médica, seja diretamente junto aos prestados de serviços, seja em operadoras de planos de saúde. Se não forem bem atendidos, poderão reclamar nos órgãos competentes e o Governo saberá o que fazer. Não dá para reclamar do SUS, pois ninguém faz nada para mudar.

Todavia, a atenção não deverá ficar restrita ao SUS, vigilância sanitária e saneamento básico, pois, cerca de 25% da população brasileira possui planos privados de saúde, e estes estão sob a égide da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, que detém o poder regulador concedidos por lei específica que lhe atribuiu funções de fiscalização e controle das atividades das operadoras de planos e seguros de saúde.

Criada no ano 2000, a ANS dedicou-se nos primeiros anos à proteção dos consumidores ou usuários dos planos e seguros de saúde, evoluindo nos últimos anos para as questões econômico-financeiras, às quais as operadoras devem estar subordinadas, à semelhança das seguradoras em relação à SUSEP – Superintendência de Seguros Privados.

A estrutura regulatória criada ao longo desses dez anos pela ANS para as operadoras de planos e seguros de saúde poderia, no meu modo de ver, ser ordenada dentro dos seguintes blocos: (i) regulação das coberturas dos planos e seguros de saúde – rol de procedimentos, carências, manuais de orientação, proteção aos consumidores; (ii) regulação das questões econômico-financeiras estruturais – capital, provisões técnicas e respectivos ativos garantidores, margem de solvência, plano padrão de contas contábeis, auditoria independente e relatórios a serem enviados à ANS, planos de recuperação de operadoras; (iii) regulação de aspectos técnicos dos produtos – notas técnicas atuariais dos produtos, controle dos preços dos planos individuais e supervisão dos preços dos planos coletivos, cadastro de beneficiários dos planos e seguros de saúde; (iv) regulação do processo sancionador – fiscalização das ações das operadoras, aplicação de penalidades, controle das reclamações dos usuários dos planos, processos de direção fiscal e liquidação extrajudicial; (v) regulação de aspectos tecnológicos – TISS – Troca de Informações em Saúde Suplementar, TUSS – Terminologia Unificada da Saúde Suplementar, SIB – Sistema de Informação de Beneficiários, SIP – Sistema de Informações de Produtos, DIOPS – Documento de Informações Periódicas das Operadoras de Saúde e outros; (vi) regulação de programas específicos – programa de qualificação, programa de prevenção, ressarcimento ao SUS e outros.

É fácil perceber que a estrutura regulatória não contemplou a fiscalização das operações e ações dos prestadores de serviços – médicos, consultórios odontológicos, laboratórios, clínicas e hospitais – que não estão sujeitos ao controle e à fiscalização da ANS, especialmente nos aspectos qualidade e efetividade dos serviços, preços praticados e foco no usuário dos planos e seguros de saúde, havendo apenas uma resolução que trata do envio eletrônico de informações às operadoras (TISS) que, apesar dos benefícios para todos os envolvidos, ainda não foi plenamente implantada em todos os estabelecimentos de saúde e consultórios.

Cabe lembrar que a ANS iniciou há dois anos o processo de registro definitivo, e que até hoje não foi concluído por falta de envio de documentação por parte de um grande número de operadoras e/ou por problemas relacionados à liquidez, cobertura de provisões técnicas ou de capital. Ou seja, estão insolventes.

Eis aqui uma pequena demonstração do tamanho do problema que o futuro Presidente enfrentará.

           Como brasileiros e interessados no bem-estar do Brasil, estamos às ordens para ajudar e contribuir para a melhoria da situação das saúdes pública e privada no nosso País.


Horacio L.N. Cata Preta

Acadêmico titular da Cátedra de Seguro Saúde.
hcatapreta@globo.com