A contratação de seguro em moeda estrangeira marca uma história que serve como um bom parâmetro de como a atividade – e consequentemente a legislação – modificou-se ao longo das últimas décadas e, talvez, de como ainda será afetada pelos tempos futuros. É lugar comum recordar os fundamentos da realidade social brasileira que fundou os marcos setoriais do século passado, seja pelas referências de criação do IRB ou mesmo pela edição das normas centrais do sistema: o Decreto/Lei nº 2063/1940 e depois o Decreto/Lei nº 73/1966.

Neste último diploma, além de todas as referências nacionalistas, ainda era determinado no Art. 83 de que as apólices, certificados e bilhetes de seguro mencionarão a responsabilidade máxima da Sociedade Seguradora, expressa em moeda nacional. Adianta-se que, sem prejuízo das grandes modificações e legislações que sobrevieram após aquele distante ano de 1966, o mencionado artigo ainda mantém, inexplicavelmente, a sua redação original.

Mas, evidentemente, aquele dispositivo restou prejudicado na sua parte final em razão da superveniência da Lei Complementar nº 126/207 que, além de trazer os novos marcos para o sistema de resseguro, cosseguro e retrocessão, explicitamente afirmou em seu Art. 18 a possibilidade de contratação de seguro em moeda estrangeira, ainda que delegando grande conteúdo normativo para o órgão regulador infralegal.

A partir daquele diploma legal, o Conselho Nacional de Seguros Privados editou a Resolução CNSP nº 165, de 2007, logo seguida pela Resolução nº 197, de 2008. Essa última estabelece basicamente as seguintes disposições para contratação de seguro em moeda estrangeira e para contratação de seguro no exterior:

Art. 2º a contratação de seguro em moeda estrangeira no País poderá ser efetuada quando o risco pertencer a um dos ramos, sub-ramos, ou modalidades previstas em regulamentação específica.

Art. 4º independentemente do disposto no Artigo 2º, a emissão do seguro em moeda estrangeira no País poderá ser efetuada em outros ramos, sub-ramos ou modalidades de seguro, desde que a respectiva contratação se justifique em função do objeto segurado ou objetivo do seguro, nos termos da regulamentação específica.

A definição dos ramos e detalhes para efetivação daquelas disposições deu-se por meio da Circular SUSEP nº 392, de 2009, identificando diversas situações para esta forma de contratação.

Mas tudo isto agora é passado já que, transcorrido este meio século desde os parâmetros do D.L. 73/66, o Conselho Nacional de Seguros Privados demuda substancialmente a Resolução nº 197. A recém editada Resolução 379, de 2020, modificando aqueles dois artigos da norma de 2008 destacados acima, traz um novo cenário onde a contratação de seguro em moeda estrangeira no País poderá ser efetuada mediante acordo entre sociedade seguradora e segurado, pondo, por natural, uma pá de cal naquela listagem elaborada anteriormente pela SUSEP. Tudo isto vem muito na esteira dos princípios da Lei de Liberdade Econômica – Lei nº 13.784, de 2019.

Por óbvio, ainda deverão ser observadas as disposições do Art. 19 da L.C. 126 de que devem ser exclusivamente celebrados no País os seguros obrigatórios e os demais contratados por pessoas naturais residentes no País ou por pessoas jurídicas domiciliadas no território nacional para garantia de riscos no País. Nestes casos não estão impedidos de que, mesmo pactuados no território nacional, tais seguros sejam contratados em moeda estrangeira.

Este novo quadro normativo – vigente a partir de 1º de abril de 2020 – permite que os interessados já podem começar a negociar a contratação de seguros em moeda estrangeira, se assim o segurado desejar, desde que seja firmado um acordo nesse sentido com a seguradora. Tudo isso ainda encontra amparo na jurisprudência nacional eis “pacificou-se no STJ o entendimento de que são legítimos os contratos celebrados em moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional” (STJ – REsp 804791, j. em 3.9.2009).

Aos profissionais do setor – advogados, subscritores de riscos, corretores e demais intermediários, etc. – serão exigidos agora novos cuidados para atuação na atividade de Seguro. Naturalmente esta flexibilização vinha sendo construída com o tempo, ainda que num ritmo vagaroso se vista pelo prisma da globalização. Entretanto, o momento é chegado e as novas formas de contratação estão aí.

*Irapuã Beltrão

Graduado em Direito, passou no concurso de Procurador da SUSEP com 23 anos, exercendo a função até hoje como Subprocurador Chefe de Consultoria e Assuntos Societários. Atuou ainda como Gerente Geral de Normas e Análise de Mercados e Diretor Substituto na ANS de 2002 a 2006. Mestre em Insurance Law pela University of Connecticut e Doutor em Direito. Professor da Escola de Negócios e Seguros – ENS no Rio de Janeiro e também da FGV, do Ibmec e da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro – Emerj. Acadêmico da ANSP desde 2018.

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