Para que a condição precedente tenha efeito similar àquele do direito inglês, é necessário que a cláusula seja redigida de forma a explicitar com clareza as obrigações a cargo da ressegurada e os efeitos decorrentes do seu eventual descumprimento.

A definição legal do resseguro é a de uma operação de transferência de riscos de uma seguradora-cedente para um ressegurador, de acordo com a Lei Complementar nº 126/2007. Esta lei, bem se sabe, foi a responsável pela abertura do mercado ressegurador depois de quase 70 anos de monopólio estatal do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB-Brasil Re).

A transferência de riscos se processa de modo semelhante ao que ocorre na operação de seguro. A cedente paga um valor de prêmio de resseguro ao seu ressegurador, equivalente ao risco transferido. Mediante o pagamento deste prêmio, a seguradora transfere parte do seu risco ao ressegurador. Este último recebe o prêmio e garante seu capital por meio das mesmas operações de estatística e probabilidade praticadas nas operações de seguro.

Analisando esta relação, é possível identificar diversas funções no resseguro. Uma delas é a de aumentar a capacidade de retenção de riscos pelas seguradoras, por meio da transferência de determinados riscos de forma isolada (em contratos facultativos) ou por carteiras e grupos de emissões (em contratos automáticos).

Outra função é a de homogeneizar as carteiras de operação das próprias seguradoras. Isto é feito de forma que, ao determinar critérios de tarifação de prêmio para cada tipo de resseguro, a resseguradora acaba por exigir que a seguradora adeque seus produtos para que possa encontrar cobertura ressecuritária, o que acaba culminando em uma maior padronização da oferta de seguros na origem.

Além disso, o resseguro visa ao compartilhamento de know-how e tecnologia de operação, já que a resseguradora, ao elaborar critérios de subscrição, demonstra às seguradoras como o mercado global lida com estes determinados riscos.

Da análise prática e econômica da operação de resseguro é que decorre a sua complexidade contratual. Para que a operação funcione, é necessário que a resseguradora se comprometa a indenizar o risco securitário que lhe foi cedido. De outra forma, toda a cadeia de cessão de riscos perderia a sua base e a seguradora tornar-se-ia insolvente, o que quebraria a relação de confiança entre seguradora e segurados e colocaria em cheque toda a operação securitária e ressecuritária.

Para que isto não ocorra, o contrato de resseguro é regido por princípios que garantem a indenização ressecuritária e reforçam a relação de confiança e boa-fé entre seguradora-cedente e resseguradora-cessionária. São os princípios de mercado chamados follow the fortune (seguindo a sorte) e follow the settlements (seguindo as condutas).

Neste sentido, a resseguradora deve seguir a sorte (fortune) da seguradora-cedente e indenizar os sinistros a que esta se sujeite, respeitando e seguindo os atos de declínio ou aceite de cobertura (settlements) por parte da seguradora-cedente quando da análise das reclamações de sinistro e durante a tomada das decisões envolvidas neste processo.

É neste contexto que se inserem as conditions precedent (condições precedentes) no mercado de resseguros. Em contrapartida à confiança inerente aos princípios de seguir a sorte e a conduta das seguradoras-cedentes, os contratos de resseguro no mercado internacional (principalmente nas apólices subscritas no Reino Unido) preveem determinadas cláusulas que servem para salvaguardar a resseguradora de pagamentos ou negativas de sinistros em desacordo com os termos pactuados.

São cláusulas de notificação e controle ou cooperação no tratamento de sinistros, que exigem do ressegurado notificação de circunstâncias que possam dar origem a uma reclamação e à obtenção da anuência do ressegurador para a liquidação de sinistros. As mais comuns são as claims control e claims cooperation clauses (cláusulas de controle de sinistros e cooperação em sinistros). Na prática de mercado, tais cláusulas, quando alçadas à qualidade de condições precedentes à responsabilidade da resseguradora no âmbito de um contrato de resseguro, se inobservadas, podem ensejar o declínio da indenização ressecuritária.

A cláusula de controle de sinistros já é prevista em nosso ordenamento, ainda que não como condição precedente, no artigo 39 da Resolução CNSP nº 168/2007 (com o acréscimo do parágrafo único por meio da Resolução CNSP nº 225/2010):

“Art. 39. Poderá ser prevista a participação do ressegurador na regulação de sinistros, sem prejuízo da responsabilidade da seguradora perante o segurado.

Parágrafo único. Os contratos de resseguro, automáticos ou facultativos, poderão prever cláusula de controle de sinistros a favor do ressegurador local, quando este detiver maior cota de participação proporcional no risco”.

O conceito de conditions precedent já está consolidado nos mercados internacionais, em especial no direito inglês, segundo o qual a violação de uma condição precedente desonera automaticamente a resseguradora da obrigação assumida no contrato de resseguro, independentemente de ter ocorrido algum prejuízo pelo descumprimento de tal condição.

Entretanto, no Brasil, a despeito de diversos clausulados de contratos internacionais de resseguro já conterem tais disposições, a condição precedente não tem o mesmo efeito. Aqui, a análise quanto ao descumprimento de uma condition precedent pelo Poder Judiciário tende a ser resolvida em perdas e danos, de acordo com o prejuízo demonstrado, e não com a desoneração automática da obrigação assumida pela resseguradora.

Isso porque o Código Civil não contempla o conceito de “condição precedente”, mas apenas o de condição suspensiva (os efeitos do negocio jurídico ficam suspensos até que ocorra a condição) e resolutiva (o negocio jurídico vigora até que esta se implemente), que não se confundem com a “condição precedente”.

Para que a “condição precedente” tenha efeito similar àquele do direito inglês, é necessário que a cláusula seja redigida de forma a explicitar com clareza as obrigações a cargo da ressegurada (de notificação imediata do sinistro, de envio de informação, de concordância prévia para o pagamento ou negativa de indenização etc.) e os efeitos decorrentes do seu eventual descumprimento. Não basta, portanto, a simples inserção de tais obrigações como “condição precedente”, como tem sido praticado pelo mercado.

Por fim, a efetiva compreensão destes institutos e dos motivos de sua adoção pela prática internacional de seguros e resseguros seria um estímulo ao crescente investimento de empresas estrangeiras em nosso País, com a reafirmação da segurança jurídica que estes conceitos imprimem aos contratos no âmbito global deste ramo.

Márcia Cicarelli Barbosa de Oliveira é advogada, sócia da JBO Advocacia, escritório especializado em seguros, transportes, responsabilidade civil e relações de consumo, professora assistente de Direito Civil na PUC-SP e Diretora de Cátedras da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP.


Márcia Cicarelli Barbosa de Oliveira

É advogada, sócia da JBO Advocacia, escritório especializado em seguros, transportes, responsabilidade civil e relações de consumo, e professora assistente de Direito Civil na PUC-SP e Diretora de Cátedras da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP.