Esse artigo será publicado em duas partes.

Em Dezembro de 2010, foram publicadas várias resoluções do Conselho Nacional de Seguros Privados (“CNSP”), tratando dos mais diversos temas, a maioria previamente discutida em audiências públicas. Duas delas, porém, eram desconhecidas do mercado seguros e resseguros: as resoluções 224 e 225, ambas modificando e/ou acrescendo dispositivos substanciais na Resolução 168/2007, que regulamentou a Lei Complementar 126/2007, marco da abertura do mercado de resseguro no Brasil.

Em suma, a resolução CNSP 224 vedou a transferência das operações intra-grupo, enquanto a resolução 225 determinou a obrigatoriedade de contratação do 40% das cessões de resseguro com os resseguradores locais, ao mesmo tempo em que dispôs sobre a cláusula de controle de sinistro.

Diante da recepção negativa de tais normas pelo mercado nacional e internacional, seja no que tange à forma, seja em razão de seu conteúdo, o CNSP, num primeiro momento, adiou o início de vigência da Resolução 224, inicialmente previsto para 31/01/2011, a fim de que entrasse em vigor apenas em 31/03/2011, mesma data estipulada para a Resolução 225.

Por fim, às vésperas da vigência prevista, o CNSP publicou a Resolução 232 que revogou a resolução 224 (que sequer chegou a viger), substituindo a vedação total das operações intragrupo por uma transferência limitada a 20% do prêmio correspondente a cada cobertura contratada. Apenas os ramos de garantia, crédito interno e exportação, rural e riscos nucleares, estratégicos e dependentes de crescente capacidade do mercado não se submetem ao teto fixado.

As resoluções 225 e 232 entraram em vigor em 31/03/2011, trazendo consigo uma maré de incertezas sobre sua legalidade e operacionalidade.

1. Resolução 225: Obrigatoriedade de contratação

A resolução CNSP 225/2010 impôs à sociedade seguradora estabelecida no Brasil o dever de contratar com as resseguradoras locais pelo menos 40% de cada cessão de resseguro em contratos automáticos ou facultativos. O regime estabelecido pela resolução 168/2007 determinava a oferta preferencial por meio de consulta formal a um ou mais resseguradores locais, em procedimento de oferta e aceitação claramente especificado.

O fundamento do órgão regulador é o de que a Lei Complementar 126/2007 lhe faculta definir, por meio de resolução, se os 40% de cessão de resseguro serão de contratação obrigatória ou de mera oferta preferencial ao ressegurador local, como até então praticado. Tal entendimento, porém, não parece se alinhar com uma interpretação lógica e sistemática do artigo 11 da mesma Lei, que traz a clara noção de que o cedente está obrigado apenas a formular a oferta de contratação, que somente se concretizará se o ressegurador local aceitá-la. Por isso, justamente, é que o texto da lei faz uso subsequente dos verbos “contratará” ou “ofertará”, com o escopo de garantir que haja, no mínimo, a oferta preferencial. Daí a razão de ser do abrangente regramento previsto na resolução 168/2007 para dispor sobre a colocação da oferta preferencial no mercado, bem como para estabelecer padrões de conduta para que esta obrigação seja considerada como cumprida pelo cedente.

A intenção é que, de fato, haja contratação dos 40% com os resseguradores locais, mas, para que isso ocorra, estes devem aceitar ou não a cessão do risco nas condições ofertadas. Na ausência de aceitação, o dever do cedente se encerra com a oferta.

Além disso, é de se questionar sobre os impactos econômicos e operacionais de querer obrigar o cedente a contratar com um ressegurador local. O regime de oferta preferencial garantia a concorrência de preços e previa, como não poderia deixar de ser, a recusa do risco, em obediência aos princípios da livre iniciativa, livre concorrência e isonomia de tratamento que regem a atividade econômica do país.

2. Resolução 225: Cláusula de controle a favor do ressegurador local.

A resolução CNSP 225/2010 traz ainda dispositivo de considerável inocuidade, ao acrescentar um parágrafo único ao art. 39 da resolução CNSP Nº 168, de 2007, que previa a possibilidade de segurador e ressegurador estabelecerem cláusulas relativas à regulação de sinistros, deixando claro, porém, que não afetariam a responsabilidade da seguradora-cedente perante o segurado.

Já o parágrafo único acrescido pela nova legislação mostra-se incompreensível, ao assim determinar: “Os contratos de resseguro, automáticos ou facultativos, poderão prever cláusula de controle de sinistro a favor do ressegurador local, quando este detiver maior cota de participação proporcional no risco”.

O parágrafo acrescido, mais do que desnecessário, dá margem a interpretações que não se coadunam com a regra geral estabelecida no enunciadodo art. 39, que não foi revogado.  Liberdade contratual é a regra do resseguro, pois nele não há hipossuficiência dos contratantes. E o artigo 39 da resolução CNSP 168/2007 já previa a possibilidade de participação do ressegurador na regulação do sinistro.

Não há, assim, razão aparente para uma suposta necessidade de disciplinar a participação do ressegurador local na regulação do sinistro. Mas, com a nova redação do artigo, é possível interpretar que há uma restrição para a inserção de cláusula de controle de sinistro, quando o ressegurador local não detiver maior cota de participação proporcional no risco. Trata-se, todavia, de uma contradição com a regra estabelecida no enunciado, ou seja, de que é livre o acordo sobre a participação do ressegurador na regulação de sinistros, independentemente de ser local, admitido ou eventual, ou ainda do percentual de cessão de resseguro. Ademais, não há sentido criar uma restrição apenas para o ressegurador local, permanecendo a regra geral para os demais resseguradores.

Portanto, a solução é encarar a inserção do parágrafo como produção normativa atípica e supérflua, que não tem o condão de modificar a regra estabelecida no enunciado. Por vezes a função regulatória do Estado diz menos do que deveria, e por outras, mais do que o necessário.


Marcia Cicarelli Barbosa de Oliveira

Advogada Sócia da JBO Advocacia e Diretora de Cátedras da Academia Nacional de Seguros e Previdência.