Quando se fala em responsabilidade civil e, como conseqüência, de defesa profissional do médico, deve levar-se em consideração a dicotomia traçada no direito das obrigações quanto ao conteúdo da obrigação propriamente dita, ou seja, se a obrigação é de meio ou de resultado.

Via de regra, quando se cuida de um serviço profissional de um médico a doutrina sinaliza que estamos frente a uma obrigação de meio, que é aquela, no dizer escorreito de Maria Helena Diniz, “em que o devedor se obriga tão somente a usar de prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo”

. A obrigação, de sua vez, será de resultado na hipótese em que se contrata um cirurgião para fazer um trabalho estético no corpo de uma pessoa.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já debateu-se no sentido de saber se a responsabilidade civil dos profissionais liberais se estenderia aos demais fornecedores a exemplo de hospitais e clínicas médicas e se a responsabilidade, neste caso, estaria estribada na culpa, ou se este trabalho do profissional, com os demais fornecedores de serviços em geral, transformaria esta obrigação de meio em obrigação de resultado.

Nos Recursos Especiais 986.648/PR e 1216424/MT, julgados em 2011, os julgadores concluíram que os médicos e os profissionais liberais respondem somente se tiverem agido com culpa, ou seja, aplica-se às inteiras o parágrafo 4º do Art. 14 do CDC, da Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990.

Neste sentir, cabe trazer à colação excerto do voto proferido pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino:

“Assim, a regra geral do CDC, para responsabilidade pelo fato do serviço, traçada pelo caput do seu artigo 14, é de que se trata de responsabilidade objetiva, ou seja, “independente de culpa” do fornecedor, como textualmente consignado no próprio enunciado normativo.

Abriu-se uma exceção apenas em favor dos profissionais liberais no parágrafo 4º desse mesmo artigo 14 do CDC, estatuindo-se que a sua responsabilidade é subjetiva, aferindo-se “mediante a verificação de culpa”.

Em síntese, a questão ganha realce quando o médico presta serviço dentro de um centro hospitalar no qual este fornece centro cirúrgico, equipe, medicamento e hotelaria e aquele realiza o procedimento técnico principal.

Impende, assim, ao azo ressaltar o aspecto da solidariedade entre o estabelecimento hospitalar e o médico, pois o enunciado do art. 14 do CDC, diz:

“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”

. Neste sentido, a existência de uma cadeia de fornecimento entre o plano de saúde e o médico credenciado enseja o reconhecimento de uma responsabilidade solidária do hospital e o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: (i) que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; (ii) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Deste modo, vislumbra-se, via de regra, que a responsabilidade da clínica é objetiva e o ônus da prova da inexistência de defeito na prestação de serviços médicos incumbe a ela. Vale sublinhar que existe o seguro de responsabilidade civil previsto no art. 787 do CC de 2002, que garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro, quando o segurador acoberta os riscos oriundos da atividade profissional, quer de associação médica, quer do profissional liberal propriamente dito.

Na hipótese acima prevista, salvo melhor juízo, sempre haverá indenização quando o profissional obrar com culpa, ao passo que as instituições hospitalares responderão independentemente de culpa, a não ser que comprovem que o defeito no serviço inexistiu, ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou do terceiro.


Voltaire Giavarina Marensi

Advogado e Professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP