No Recurso Especial 1.356.725/RS, publicado em 12/06/2014, a Terceira Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo como relatora originária a eminente ministra Fátima Nancy Andrighi, entendeu, por maioria, após o voto-desempate do ministro Raul Araújo acompanhando os termos do voto divergente do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva que, ante o risco de impossibilidade financeira para o cumprimento das garantias do seguro de vida em grupo, a seguradora pode optar pela sua não renovação, notificando os segurados, conforme estabelecido no contrato de seguro.

Em abono a este entendimento, disse o primeiro articulista acima nominado o seguinte:

“Em recente decisão no qual patrocinei os interesses de algumas seguradoras, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, já se manifestou em sentido diametralmente oposto ao acórdão do Rio Grande do Sul, quando exarou a seguinte ementa:

Ocorrendo o término da cobertura, o que implica cancelamento da apólice, não está à seguradora obrigada a apresentar nova proposta”.1

Pois bem. No voto-desempate, assim se exprimiu o ministro Raul Araújo:

“O tema da controvérsia refere-se à discussão quanto à legalidade da rescisão unilateral, pela seguradora, de contrato de seguro de vida coletivo que vinha sendo renovado por mais de 10 anos (13 anos), como se infere do documento de fl. 57. Sobre a matéria, manifestei-me, na sessão de 21/11/2013 da eg. Quarta Turma, como relator, por ocasião do julgamento do AgRg no REsp 799.632/PR, cujo v. acórdão ficou assim ementado:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. RESCISÃO CONTRATUAL, MEDIANTE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. CLÁUSULA CONTRATUAL. CARÁTER ABUSIVO. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO APLICÁVEL AO CASO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. CABIMENTO. INCONFORMISMO COM ENTENDIMENTO FIRMADO. INCIDÊNCIA. SÚMULAS 5 E 7/STJ. INADMISSIBILIDADE.

1. A inovação trazida pelo art. 557 do CPC instituiu a possibilidade de, por decisão monocrática, o relator deixar de admitir recurso, entre outras hipóteses, quando manifestamente improcedente ou contrário à súmula ou entendimento já pacificado pela jurisprudência daquele Tribunal, ou de Cortes Superiores, rendendo homenagem à economia e celeridade processuais.

2. Descabimento da incidência das Súmulas 5 e 7/STJ, porquanto não se trata de reexame de provas ou interpretação de cláusula contratual, mas apenas do entendimento sobre a sua aplicação em situações jurídicas diversas.

3. Inexiste caráter abusivo em cláusula contratual, inserta em contrato de seguro de vida, que prevê a possibilidade de não renovação do contrato, mediante notificação prévia. Precedentes.

4. “Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no REsp 799.632/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe de 17/12/2013).”

Disse, ainda, o eminente ministro:

“Note que em situação semelhante esta Corte já se manifestou no mesmo sentido:

“CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA E RESIDÊNCIA EM GRUPO. RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA POR 3 ANOS. DENÚNCIA UNILATERAL DA SEGURADORA MEDIANTE PRÉVIA COMUNICAÇÃO. POSSIBILIDADE.

Ademais, ressaltou o voto condutor do acórdão, em ensinamentos do eminente ministro Sidnei Beneti:

“Não há como se aplicar o entendimento firmado no REsp 1.073.595/MG, porque, nesse julgamento assentou-se que se tratava de uma renovação de um contrato de seguro de vida individual e que fora renovado por mais de trinta anos, ao passo que no presente caso a renovação do contrato de seguro de vida em grupo ocorreu por cerca de treze anos.”

Pelo que se dessume desta recente decisão, o seguro de vida individual e o seguro de vida em grupo, em tese, deve ser tratado de modo diferente no que tange ao cancelamento das respectivas apólices de seguro. Assim, se cuidar de um seguro em que um segurado venha contribuindo por longos anos de vida é necessário saber se o cancelamento da apólice de seguro trará danos irreparáveis ao patrimônio do segurado, ao passo que o seguro de vida em grupo, firmado por um período relativamente pequeno pode sofrer significativas alterações no estado de risco.

Isto não significa dizer, que exista uma diferença fundamental no risco entre o seguro de vida individual e o seguro de vida coletivo, ou de grupo. Neste sentido, deve se analisar cada hipótese dentro de uma maneira casuística, ou seja, saber, por exemplo, se no seguro de vida em grupo houve uma redução do quadro de funcionários da empresa ou de associados de uma determinada associação como doutrina Ernesto Tzirulnik.

É preciso atentar para esta diferença entre o contrato de seguro de vida individual e o contrato coletivo. “As relações individuais vigoram enquanto durar o contrato global, ressalvada sua extinção por qualquer outra causa. Ocorrendo a recondução do contrato global, estarão, automaticamente, reconduzidas todas as relações individuais. As diferentes relações individuais não têm, ou podem não ter, o mesmo prazo de duração, dependendo do momento em que se opera a adesão ou a inclusão do segurado no seguro. Essas divergências temporais, em casos excepcionais, podem levar à sobrevida das relações individuais com relação ao termo final do contrato global.”2

Comentando o cancelamento do seguro ensina o saudoso jurisperito em sede securitária Pedro Alvim: “Esse dispositivo, restringindo a rescisão unilateral apenas às “situações previstas em lei” poderá suscitar dificuldades para o segurador, quando houver um fato superveniente, não previsto em lei, que altere as condições do risco. Tornar-se-á difícil à rescisão unilateral, ainda que justificada pela própria natureza do negócio.”3

Comentando sobre o contrato de seguro individual e a nova legislação de seguro de Portugal, J. C. Moitinho de Almeida enfatiza que o DL nº 72/2008 garante o interesse das seguradoras na estabilidade das suas carteiras, ignorando-se os interesses dos segurados por ocasião dos sinistros. Neste sentido, adverte:

“Por isso, as mais recentes legislações europeias ou estabelecem restrições quanto à duração dos contratos de seguro ou admitindo embora a celebração do contrato por tempo indeterminado, contemplam o direito de resolução por parte do tomador do seguro. E limites existem também quanto à renovação tácita dos contratos.”4

Já no nosso ordenamento jurídico o vigente Código Civil de 2002 e a SUSEP – Superintendência de Seguros Privados – dispõem que o contrato de seguro de vida tem duração, de maneira geral, de um ano, permitindo-se sua renovação, mas facultando à seguradora a possibilidade de comunicar o seu desinteresse pelo prosseguimento do contrato.

Porém, o que se verifica é que esta brecha legislativa permitiu a criação, pelas seguradoras, de um mecanismo de resolução do contrato de seguro de vida, não renovando os contratos de grupo de segurados, de modo geral, mais idosos, que pagam os prêmios, em certos casos, há décadas. Ou seja, a verdade no fim é uma só: o Código Civil, as Resoluções da SUSEP e Código de Defesa do Consumidor estão em total desarmonia entre si e necessitam, urgentemente, de estudos aprofundados, revisões e edições de suas normas, uma vez que já é realidade o evidente prejuízo a inúmeros segurados, que na sua grande maioria é composta por idosos, que contribuíram por uma vida inteira visando garantir sua família por ocasião de seu falecimento.

1 In, O Seguro No Direito Brasileiro, Ed. Lumen Juris, 9ª edição, página 402.

2 O Contrato de Seguro, Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti, Ayrton Pimentel, 2ª Ed. RT, pág 208.

3 O Contrato de Seguro, 1ª Ed. Pedro Alvim, Forense, pág. 498.

4 Contrato de Seguro, Estudos, J. C. Moitinho de Alimeida, Ed. Coimbra, pág. 102/103.


Voltaire Giavarina Marensi

É Advogado e Professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Membro da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP.


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